Tuesday, November 27, 2007
Com a palavra, a artista
Recebi com surpresa o comentário abaixo, da Débora Bolsoni, e como muita gente não lê os comments, achei melhor transformá-lo num post. Esclareço que em momento algum tive má intenção (qual seria?) ou pretendi agredir os artistas citados - ao contrário, disse que simpatizava com as maçãs da Laura, um pouco menos com a paçoca da Débora, mas que a questão de meu gosto pessoal não era relevante: o que me interessava era refletir sobre arte contemporânea, levantando algumas hipóteses.
Esclareço também que não reduzi, nem generalizei, nem julguei a arte contemporânea como um todo, o que seria uma idiotice: escrevi claramente que estava comentando apenas uma tendência recorrente nas galerias, não a única. Só quem usa antolhos não enxergou. Igualmente importante: o título do artigo era "Será arte?", citação de um poema do Ferreira Gullar, mas a Folha preferiu pinçar uma frase do texto - o que é uma prática jornalística comum, mas acabou atraindo atenção desmedida para um detalhe lateral. O que não muda o fato de que não afirmei, em momento algum, que todos os artistas são movidos pela busca da fama e de dinheiro, mas sim questionei o sucesso como critério de qualidade num sistema de arte mercantilizado.
De qualquer forma, mesmo sem ter sido a minha intenção, se a Débora ficou magoada peço desculpas (a ela), mas não, é claro, por pensar da forma que penso. Continuo defendendo as mesmas idéias, e a repercussão que o artigo vem tendo é um sinal da necessidade desse debate. Como eu disse outro dia, qualquer discussão sobre arte é potencialmente interminável, mas só tem graça entrar nelas se for para dialogar, não para trocar ofensas, nem para ficar nervosinho (como algumas pessoas ficaram).
Na ilustração abaixo, outra obra de Débora Bolsoni.
E ajudem a Débora a vender o carro!
Olá Luciano,
sinto pelos comentários agressivos que você diz estar recebendo, mas seu artigo da Folha foi bem agressivo.
Não estava motivada a responder às suas críticas porque desconfio de uma má intenção na forma com que foram proferidas.
Não ignoro solenemente as críticas e sei muito bem que opiniões como as suas são representativas de uma parcela significativa do público. Mas o distanciamento da realidade que você atribui aos artistas também pode ser atribuído a essa parcela significativa do público. Não existe um academicismo contemporâneo validando obras afinadas com um discurso homogêneo. O que acontece, acredito, é que muito poucos têm um acesso mais integral ao trabalho dos artistas e devido a esse contato superficial inúmeros preconceitos se enraízam.
Fiquei pensando na relação entre o seu juízo da situação privilegiada dos artistas representantes da “tendência dominante” e a influência do conceito de violência simbólica desenvolvido por Pierre Bourdieu. Fiz essa relação por ler a entrevista que ele te concedeu, e por ter me debatido também com a arte contemporânea numa época em que havia descoberto este autor. Isso foi no final dos anos 90, o mesmo período em que você diz ter sido publicada a entrevista no Globo. Passados quase 10 anos reconheço aliviada que não tenho a tendência de arraigar preconceitos e continuei trabalhando e prestando atenção no que se fazia a minha volta com olhar crítico sim, mas sem desmerecer o trabalho daqueles que circulavam num meio cujo funcionamento eu desconhecia.
Nem de longe passou na minha cabeça que eu me destacaria no circuito de arte por estar me utilizando da paçoca. Pensar nessa hipótese é um absurdo.
Eu quis usar a paçoca porque me interesso por certos materiais e objetos que possam representar uma tática de resistência cultural. Acho estimulante o caldo que existe na fronteira entre o folclórico e o massivo. Gosto de pensar na culinária como um fazer plástico não especializado e nas receitas de domínio público que se tornam característicos de uma cultura. Isso me remete a uma essência que se impõe. Achei que o argumento de sotaque forte presente na curadoria do Moacir dos Anjos para o Panorama ajudaria a evidenciar essas questões que eu via no uso da paçoca.
Outro motivo que justificou o trabalho com a paçoca foi a busca por um material que pudesse substituir a terra. Que pudesse se comportar como tal ao menos em alguns aspectos. Eu queria trazer pro MAM algum artifício característico dos espaços públicos que ficam entre o rural e o sub-urbano. Daí o quebra-molas de uma rua de terra e uma espécie de saudosismo invocado pela paçoca poderiam coexistir com certa naturalidade. Essa foi a minha tentativa. Pensei que esse objeto seria revelador de uma qualidade afetiva da nossa resistência (enquanto sociedade) de avançar. E ainda, que seria curioso que esse obstáculo fosse, na verdade, construído por uma matéria que desmorona tão facilmente. Que fosse um doce “inofensivo”. Muitas outras reflexões e experiências fizeram parte do processo, mas no geral é isso.
Não me sinto fazendo nada excêntrico nem hermético. Não estou inventando nada. A paçoca tem as qualidades citadas acima e também o quebra-molas. Claro que tanto um quanto o outro têm ainda inúmeras outras conotações e qualidades. E, ainda que muitas delas concorram para o sentido que eu quis dar ao trabalho, outras provavelmente serão conflitantes em relação ao mesmo. Mas acho que isso não o invalida.
Também está longe das minhas pretensões repetir o “gesto inaugural do Duchamp”. As operações que ele e outros artistas (de vanguarda ou não) realizaram entraram no nosso vocabulário estético e hoje, se as “repetimos” com um certo distanciamento que te pareceu alienação, e falta de comprometimento, é porque as articulamos como se faz com os signos de uma linguagem estabelecida. Depois de Brunelleschi, Massaccio e companhia a perspectiva continuou por bons séculos como recurso lingüístico embora ela já não fosse mais uma investigação central da arte ou da arquitetura. Nem por isso fez-se uma arte acomodada, pastiche das descobertas do Quattrocento italiano. Um pouco tolo esse meu exemplo ilustrado, mas pode ser útil frente a outras tolices.
No mais, gostaria que você fizesse alguma auto-crítica ao reler os trechos que destaco abaixo. São trechos da entrevista que você realizou com Pierre Bourdieu. Termino esta carta com esse recorte da entrevista porque me parece que você continua em busca de uma tese generalizante sobre as questões que te incomodam. Um abraço, Débora Bolsoni.
- Como o senhor vê o triunfo planetário do liberalismo e das leis do mercado?
Bourdieu - Esta é uma pergunta muito geral, e o mais importante são as questões específicas. São os intelectuais mediáticos que gostam de falar sobre qualquer assunto, indiscriminadamente. (...)
- Desde a morte de Sartre, há 15 anos, não surgiu na França nenhum "maitre-à-penser"...
Bourdieu - São os intelectuais mediáticos e os jornalistas que dizem isso - porque, naturalmente, eles próprios não são "maitres-á-pensar". É preciso levar em conta que o modelo sartriano de intelectual engajado correspondeu a uma etapa diferente da vida cultural francesa e sobretudo a uma etapa diferente da relação entre os intelectuais e os meios de comunicação. Muitas ações políticas de Sartre, ou mesmo de Michel Foucault, foram bem sucedidas porque contaram com um enorme apoio da imprensa. Hoje o espaço máximo que Sartre teria num jornal seria o de um artigo na página de opinião, porque os intelectuais mediáticos exercem uma espécie de monopólio da mídia. Suas obras são sem interesse, mas eles estão sempre dispostos a falar qualquer bobagem sobre qualquer assunto. Aliás, até mesmo Sartre disse muitas besteiras.
- Em livros como "A economia das trocas simbólicas" o Senhor faz análises penetrantes das transformações da vida cotidiana. Na esfera privada, o senhor acredita que hoje as pessoas são mais conservadoras do que 20 anos atrás?
Bourdieu – É outra pergunta muito geral e sou obrigado a responder: eu não sei. Os intelectuais precisam ter a coragem de dizer "eu não sei", sobretudo diante de perguntas muito gerais, que não levam a nada. (...)
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Ah, sim. Quero aproveitar a fama e anunciar meu carro que está à venda para cobrir as dívidas da minha vida bem sucedida de artista. É um gol 98, gasolina, cinza grafite com mecânica OK mas com o licenciamento atrasado. Estou pedindo R$ 13.000,00. A placa é de São Paulo. Interessados favor escrever para o e-mail: dbolsoni@hotmail.com
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3 comments:
rsrsrs.
silêncio!
Acho que ao dar espaço para seus "adversários", você mostra uma generosidade muito maior do que, por exemplo, quem prega que "arte é aquilo que um artista diz que é arte."
Laura Vinci tem uma obra sensual, eu escolheria outros alvos pra criticar. Já a paçoca da Débora, não posso dizer "que não é arte", como quer o Gullar... É arte, sim. Mas é muito fraquinha. Mesmo depois de toda a argumentação.
Onde sobram as palavras, faltam idéias.
A moça lê muito, é aplicada no estudo, cita uma conquista do quatrocento (a perspectiva) e depois, na mesma frase associa seu exemplo à palavra "tolice". É uma intelectual, sem dúvida escreve bem, defende-se ainda que prolixa e longamente. A obra em questão, por sua vez, nada diz além de "vejam-me, sou um quebra-molas feito de paçoca".
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