Saturday, November 10, 2007

Isto não é um debate


A obra acima, One and Three Chairs, do artista plástico americano Joseph Kosuth, é emblemática do movimento chamado Arte Conceitual. Ela consiste de uma cadeira, da fotografia da mesma cadeira e da ampliação fotográfica da definição do dicionário de uma cadeira. O artista propunha à audiência a questão: em qual das três está a verdadeira identidade da cadeira: na coisa em si, na representação ou na descrição verbal?

Acho a obra fascinante, sem ironia. O problema é que, como os ready-made de Marcel Duchamp dos quais é herdeira, a Arte Conceitual é datada. Parte de seu sentido e valor não pode ser dissociada do ano (no caso de Kosuth, 1965) e do contexto de sua produção. Ficar repetindo esse tipo de proposta hoje é tão anacrônico quanto imitar a pintura acadêmica pré-impressionista.

Duchamp se interessava mais pela idéia do objeto artístico que pela sua execução e pelo produto final. Essa "arte como idéia", anti-formalista, abriu caminhos inteiramente novos (nas primeiras décadas do século passado) para a experimentação. Mal comparando, teve um impacto, nas artes plásticas, semelhante ao que a obra de James Joyce (não por acaso sua contemporânea) teve na literatura. Também gerou, é verdade, muita empulhação.

A Arte Conceitual estabeleceu as seguintes premissas: 1) a arte se realiza numa ideia básica, sem assumir necessariamente uma forma material; 2) a matéria-prima da arte é a linguagem, e não há separação entre a arte e a teoria da arte; 3) a atividade artística consiste na investigação sobre a natureza da própria arte; 4) existe um paralelismo entre a arte e a linguagem, ou melhor, a arte é uma forma de linguagem. Tudo muito interessante. Na época.

Sintomaticamente, Kosuth produziu uma importante obra ensaística sobre teoria da arte e sobre o papel do artista na sociedade. Levou adiante um debate necessário sobre a relação entre a estética e a representação, radicalizando questões de linguagem propostas por Duchamp e, mais tarde, por René Magritte, que com seu famoso "Ceci n'est pas une pipe" (1928) introduziu um paradoxo lingüístico essencial à Arte Conceitual.



Ora, o percurso que começa em Duchamp, passa por Magritte e atinge sua realização radical na Arte Conceitual dos anos 60 e 70 é um dos capítulos mais fascinantes da arte do século 20. Mas é apenas um capítulo, que já foi escrito e virou História. Suas propostas deixaram de ser vanguarda há muito tempo. Insistir nelas hoje é irrelevante. Mais uma vez, mal comparando, seria como se prevalecesse entre os escritores de hoje o compromisso com a experimentação lingüística de Joyce - que, com seus herdeiros, também constituiu um capítulo fascinante da literatura do século 20, mas que não esgota, de forma alguma, essa literatura. Graças a Deus isso não aconteceu, e a literatura seguiu caminhos plurais.

Escrevo tudo isso porque meus posts anteriores sobre arte foram mal compreendidos. Reações por parte de artistas conhecidos meus foram do desdém complacente à vituperação indignada e ao julgamento sumário. Com arrogância e corporativismo autoritário, perguntaram se eu já tinha lido isso e aquilo, e respondi que sim; perguntaram se eu conhecia a trajetória dos artistas que citei, e respondi que sim. Tentar desqualificar o interlocutor é o recurso mais pobre num debate - aliás é o que fazem o tempo inteiro com Gullar e Affonso Romano. Como Bertrand Russel, eu não daria a vida pelas minhas idéias, porque posso estar enganado. Mas só vou mudá-las se for racionalmente convencido a isso, e não na base do grito e da grosseria.

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