Wednesday, October 24, 2007

Sobre a chuva







"Tomate tá cinco! Tomate tá cinco!" Demorei a entender por que tinha tanta gente vendendo tomate na rua, ainda mais num dia chuvoso, até que percebi que não eram tomates que estavam oferecendo, mas guarda-chuvas (au)"tomáticos". Meu ouvido transformou "(Au)tomático a cinco!" em "Tomate tá cinco!". Vai entender.

Eu já estava com o meu tomático, sempre que chove compro um, e tinha acabado de chegar ao prédio da editora depois de duas horas de um percurso que geralmente consome 30 minutos (Ipanema-Centro). Num determinado trecho, o trânsito ficou tão parado que pensei em Weekend, o filme de Jean-Luc Godard inspirado no conto de Julio Cortázar, A autopista do sul, sobre um engarrafamento-monstro, que acaba fazendo as pessoas cedrem aos instintos mais rudimentares e regredirem a um estágio bárbaro da civilização. Senti saudade da época, já remota, em que Godard e Cortázar tinham alguma relevância.

A violência e a barbárie se tornaram rotineiras. Ver sete mil toneladas de terra caindo sobre a entrada do Túnel Rebouças não despertou exatamente surpresa, nem indignação. Na verdade o que me espanta é que coisas assim não aconteçam todos os dias, tamanha é a irresponsabilidade com que os governos, um após outro, deixaram as favelas ocuparem as encostas, de forma criminosa. Mas, pensando bem, nem isso me espanta mais. Somos a enésima geração de atores vivendo os personagens de um mesmo roteiro. As coisas, as estruturas, os padrões nos ultrapassam e sobrevivem a nós. Gente pobre morrendo ou perdendo tudo (mesmo quem não tem nada), classe média sofrendo para chegar ao trabalho etc. Quantas vezes esse roteiro já não foi encenado?

Quem usa muito a Internet, como eu, já deve ter recebido uma mensagem com esse assunto: "Não precisa ler, basta repassar!". Ora, se todos só repassarem, sem ler, qual é o sentido da mensagem? Justamente, o sentido é este: movimentar alguma coisa, gerar algum tráfego, sentir a ilusão de que alguma coisa está acontecendo, ou de que estaremos fazendo algo relevante se passarmos adiante uma mensagem que sequer lemos. Já minha humilde ilusão de revolta é não ler, nem repassar.

Outra ilusão de revolta e pseudo-engajamento que tem sido muito freqüente é classificar de fascista tudo aquilo de que discordamos. Tropa de elite é uma vítima disso. Não quero escrever agora sobre o filme, mas seguramente ele levanta diversas questões pertinentes. Curiosamente, quem ergueu a voz mais alto em protesto não foi a PM, esculhambada do início ao fim do filme, mas... os injustiçados maconheiros. Como??? Quer dizer que quem fuma é cúmplice do tráfico??? Que absurdo!!! Pois é: triste do país em que as verdades provocam indignação, e a hipocrisia é recompensada com o silêncio. É por isso que a nossa vida está assim.

2 comments:

Anonymous said...

Estamos anestesiados mesmo... e nem com tantas toneladas de terra impedindo o nosso caminho nos mexemos para fazer alguma coisa! E como bons cariocas, daqui há pco estamos fazendo piadas...

Vivian said...

Outro excelente texto! Gosto muito de como vc escreve.

;)