Wednesday, November 14, 2007

Da série 'Será arte?'




Escrevi, alguns posts atrás, que a característica mais aflitiva de boa parcela da arte contemporânea é ser inofensiva, anódina, fechada em si mesma, presa a modelos que fizeram sentido 50 anos atrás. Mas também existe uma vertente, bastante em voga, que procura se afirmar, justamente, ofendendo crenças religiosas e valores coletivos.

A primeira peça reproduzida acima, intitulada "Orientais barbudos criando o império da cruz", de autoria da australiana Priscilla Bracks, funde as imagens de Bin Laden e Jesus Cristo.

A segunda, intitulada "O Quarto Segredo de Fátima", é de Luke Sullivan, também australiano: é uma estátua que mostra a Virgem Maria de burka.

As duas provocaram consternação e protestos em seu país, o que, desnecessário dizer, atraiu a atenção da mídia e deu projeção internacional aos artistas.

No Rio, no ano passado, um "pênis-crucifixo", da artista plástica Márcia X., causou tantos protestos que obrigou a direção do Centro Cultural Banco do Brasil a retirar a peça da exposição Erótica - Os sentidos da arte. O que, por sua vez, gerou protestos dos artistas contra a censura.

No último caso, vale observar o seguinte: a peça foi retirada em função de milhares de correntistas do Banco do Brasil (entre os quais dezenas de empresas poderosas) terem pressionado o banco - que, afinal de contas, custeou a exposição com dinheiro dos correntistas. Essa forma de pressão foi muito mais eloqüente que o barulho feito por vinte ou trinta artistas na porta do CCBB. Isto não é uma opinião, é um fato. Mas será que os artistas que protestaram contra a censura recusariam, no dia seguinte ao protesto, um patrocínio do banco? Acho que não. Mas isto não é um fato, é uma opinião.

Não estou tomando partido, apenas levantando questões. Pessoalmente, acho as três obras citadas infantis. Um adolescente revoltado poderia muito bem ter produzido a primeira, com auxílio de um programa banal de manipulação de imagens, ou ter dado vazão às suas fantasias eróticas, desenhando um pênis com o terço da mãe ou da tia, na intimidade de seu quarto. O que implica dizer o seguinte: o que dá status de arte a essas peças é exterior a elas, é o fato de serem referendadas por um sistema que segue regras de mercado, incluindo a lógica do marketing e a própria participação da mídia.

Outro exemplo, que mostra como as fronteiras são tênues e confusas:



A peça acima não está em qualquer museu ou galeria: é a foto de uma sobremesa servida num restaurante de Taiwan: sorvete em forma de fezes, com a cor e o formato característicos. Viesse assinada por um nome famoso, seria facilmente vendida como arte. Vou mais longe: seria, efetivamente, arte, pelos padrões vigentes. Não por ofender o bom gosto e o estômago, é claro, embora esta pudesse ser a justificativa do artista rebelde, mas simplesmente por ter recebido o aval do sistema.

Rendendo-se a esse sistema, o artista pode pagar um preço alto demais: ao se desligar do diálogo com aquilo que o determina, social e culturalmente, o indivíduo criador abre mão também de qualquer relevância que não seja mercadológica.

1 comment:

Blogildo said...

Teria sido Duchamp o precursor disso, como sugere A.R.de Sant'anna?