Thursday, November 29, 2007

Retórica dos bons sentimentos

Luiz Fernando Veríssimo é muito bom quando escreve textos de humor, mas é melhor ainda nos textos sérios. A segunda parte de sua coluna de hoje é genial - embora as conclusões que se podem tirar de sua leitura sejam várias, e muito diferentes. Eu tirei as minhas, mas vou guardar para mim: já chegam as polêmicas sobre as drogas e a arte contemporânea, por ora.

Segue o texto em questão:

Há um sentimento generalizado, mesmo que não seja dito, que a maior parte da população do mundo é lixo. Excrescência irrecuperável, condenada a jamais ser outra coisa. Esta não é certamente uma constatação nova e nem qualquer utopista ultrapassado chegou a pensar que o contrário era completamente viável. A novidade é que hoje se admite pensar o mundo a partir dela. Já se pode dormir com ela. A ordem econômica mundial está baseada na inevitabilidade de a maior parte do planeta ser habitada por lixo irreciclável. Ser "politicamente correto" hoje é dizer o que ninguém mais realmente pensa - sobre raças, sobre os pobres, sobre consciência e compaixão - para não parecer insensível, mas com o entendimento tácito der que só se está preservando uma convenção, que a retórica dos bons sentimentos finalmente substituiu totalmente os bons sentimentos. É a intuição destes novos tempos sem remorso que move o entusiasmo crescente do público com a truculência policial na nossa guerra do dia a dia. Nem tem sentido discutir se as vítimas mereceram ou não. Não existe lixo inocente ou culpado. O que está no lixo é lixo. Demasia. Excesso. Excrescência.

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