Sunday, December 30, 2007

Beatriz Milhazes no Estadão


Saiu hoje na coluna da Sonia Racy, no Estado de S.Paulo, uma entrevista da artista plástica Beatriz Milhazes. Vou transcrever alguns trechos, não apenas porque tocam diretamente em assuntos tratados aqui, mas também porque:

1) É sempre bom mostrar o que os artistas efetivamente dizem e pensam: assim se eliminam ambigüidades, e a discussão de idéias fica mais transparente.
2) Percebo que a Beatriz, apesar de (ou por causa do) seu sucesso internacional, é vista com certo desdém por parte da tribo pós-moderna. Talvez porque seja pintora (e todo mundo sabe que a pintura está morta, não é?), talvez porque seus arabescos tenham algo de decorativo, talvez por motivos pessoais.

Quero dizer com isso que sei perfeitamente que o meio artístico é, como tudo no nosso país, sujeito a picuinhas e disputas internas, a fogueiras de vaidades, a motivações inconfessáveis. Mas vamos à entrevista:
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Embora trabalhe duro, Beatriz produz pouco. Nessa exposição em São Paulo, não vai além de cinco pinturas e três colagens, com preços entre US$ 50 mil e US$ 250 mil - todas vendidas antes da abertura. (...)

Como você define a arte contemporânea?
Há várias possibilidades de resposta. Primeiro, acredito que a arte contemporânea, mesmo tendo feito bodas de ouro, pertence mais ao artista, em termos da compreensão. Como lida com o cotidiano, existe a liberdade de poder se expressar de qualquer forma. Depois que Marcel Duchamp colocou um urinol dentro do museu e disse que aquilo era arte, abriu um universo extremamente amplo.

O que você acha de tudo isso?
Como artista ligada a uma estrutura modernista e estética, acho passível de equívoco. Não vou mostrar imagens dantescas de pessoas mortas na rua. A arte tem que trabalhar coisas que são específicas. Senão, perde o sentido de existir.

A maior parte do que se cria hoje é descartável?
A maioria é besteira. Se um aluno de arte vai a uma galeria e vê um ovo colocado no meio da sala, vai pensar: “Isso eu também sei fazer.” E ele vai fazer. Vai fazer um, dois, dez ovos. Vão se passar três, quatro anos, e isso terá uma aceitação e vai parecer que realmente é arte contemporânea.
Se ele mesmo não estiver entendendo o porquê de estar fazendo aquilo, a obra morre. Agora, existem coisas que são importantes e que podem visualmente aparentar outras. Os artistas americanos que criaram, vamos dizer, a arte contemporânea, como Andy Warhol e Robert Rauschenberg, são facilmente identificáveis.

Warhol é referência para você?
Ele é, sim, uma das minhas referências mais importantes.

A porta de entrada para o mercado internacional foi a Venezuela, nos anos 90. Depois Nova York, Londres e Berlim. Foi uma estratégia planejada?
A escolha das galerias que representam um artista é fundamental. Mas sempre tive interesse grande na cultura brasileira. Em especial, nas cores do meu trabalho, numa geração totalmente americanizada como foi a minha. Não tenho medo dos estereótipos do Brasil.

Quando começa uma obra, você pensa se ela vai vender?
Não, nunca. Aliás, uma das razões do meu sucesso é que isso nunca pautou a minha vida. Apesar de achar muito bom fazer dinheiro, isso não é o primeiro item da lista de prioridades no meu trabalho.

Tem algum artista brasileiro que você realmente admira?
Tenho vários. Recebi forte influência do modernismo brasileiro. De Tarsila, principalmente. Ela sempre foi um dos meus focos de observação.

3 comments:

Arnaldo Battaglini said...

Com todo respeito à obra de Beatriz Milhazes e ao sucesso de colocação no mercado internacional, acima da média para padrões brasileiros, que acréscimos, contribuições ou reflexões podemos tirar desta entrevista ?

Valentina Corrêa Trigo said...

Olha, Arnaldo, eu acho que são muitos. No mínimo ela mostra que a aprovação a ovos como obra de arte não é unânime entre os artistas. Já não é pouco, na minha opinião.

Arnaldo Battaglini said...

Caro Luciano,

Creio que a aprovação a ovos como obra de arte não é partilhada por muito mais artistas do que se poderia supor, me incluindo ai entre estes. Mas afinal que mérito tem esta constatação ?
Entusiasmado com suas reflexões, e atento às suas exemplifacações, um abraço, Arnaldo