Sunday, December 30, 2007

Lucio Fontana, Concetto Spaziale


O período que vai de Manet e do começo do Impressionismo até meados dos anos 60, quando acontece a passagem da arte moderna para a arte contemporânea, pode ser entendido como o da explicitação crescente dos processos, convenções e limitações da atividade artística pelo próprio artista: a superfície da tela, a moldura, a parede onde o quadro é pendurado, tudo aquilo que antes passava despercebido é tornado visível. O ápice desse processo foi o gesto do artista italiano Lucio Fontana de rasgar a tela, estabelecendo uma relação direta e visceral com um suporte que se julgava esgotado, no qual pareciam não mais caber a representação e a expressão como idéias motoras da pintura.

(Na escultura, um momento semelhante foi alcançado pela obra Respingos, de Richard Serra, que em 1968 espalhou chumbo derretido num armazém na Galeria Leo Castelli: endurecido, o chumbo subvertia as convenções da escultura e criava uma nova experiência perceptiva no público, que tinha dificuldade em encaixar aquilo no universo dos objetos de arte)


Fontana, Yves Klein e Piero Manzoni foram, a seu modo, artistas visionários: os três radicalizaram na experimentação, apontando os impasses insuperáveis da arte que se dissocia do mundo para mergulhar no próprio umbigo. Fazer isso nos anos 50 e 60 foi genial, mas me parece problemático que boa parte da produção artística hoje, 40 anos depois, seja uma diluição ou um comentário estéril do que eles fizeram. É o triunfo da retórica sobre a arte.

É claro que é possível citar ou comentar de forma criativa, como Manet fez com Ticiano, como Magritte fez com Manet. Dando seqüência ao post O jogo dos conceitos, segue uma citação explícita a Fontana na obra da artista brasileira Adriana Varejão:



Adriana transporta as feridas na tela de Fontana para as suas paredes de azulejo, por trás das quais, em outras variações da obra, aparecem vísceras, sangue, matéria orgânica etc. A artista desloca assim o sentido do gesto de Fontana. Numa simplificação grosseira: se nas telas rasgadas dos anos 60 estavam a revelação da mentira da representação e a explicitação das convenções materiais da arte, nos azulejos de Adriana, a pureza e a assepsia da parede branca são desafiadas pelo desnudamento de outra mentira, a da falsificação histórica que escamoteia a violência e a exploração com que foi e continua a ser escrita a Hitória do Brasil.

A obra de Adriana Varejão reafirma a possibilidade de novas trilhas para a arte, que recuperem seu significado social, seu potencial de crítica e comentário do mundo (e não de si mesma). Como outros artistas, ela está longe da presunção pós-moderna de acreditar que a História da Arte acabou, e de que a arte hoje, pós-histórica, pode olhar de cima todas as etapas e movimentos dessa História.

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