Thursday, December 13, 2007

O fim da arte segundo Arthur Danto





Em Após o fim da arte , Arthur C. Danto afirma que a arte - ou pelo menos uma determinada idéia de arte - chegou ao fim. A tese não é nova: Hegel já havia anunciado algo parecido no começo do século XIX. Nem Hegel nem Danto estavam anunciando um tempo em que não se fazem mais obras de arte, ou onde os artistas deixariam de existir ou de ter um papel relevante: isso seria uma idiotice, pois, como na época de Hegel, hoje artistas continuam produzindo obras de arte – cada vez mais, é verdade, dentro de um sistema de relações cada vez mais movido pela lógica do mercado e da mercadoria, o que caracterizaria um período “neoliberal” da arte.

O fim da arte, segundo Danto, não significa o fim das obras de artes, mas sim de um tipo de arte que fazia parte de uma história (ou de uma narrativa), pautada pelas noções de estilos e movimentos, e pela crença de que existia uma linha evolutiva entre eles - linha que seria preciso compreender para interpretar e avaliar qualquer obra de arte particular. Em outras palavras, o que acabou foi o laço que unia a arte à História, laço que estava na base de todos os manifestos e movimentos do século 20, pelo menos até meados dos anos 60. A partir daquele momento, e cada vez mais, o único compromisso dos artistas seria com a liberdade absoluta, liberdade inclusive de repetir, colar, reler, citar etc, do jeito que quiserem. Existe até uma corrente pomposamente chamada de "apropriacionista", a que se filia, por exemplo, o artista Mike Bildo, que se apropria de imagens alheias para supostamente lhes atribuir um novo sentido. Desta forma, as imagens a seguir não são, como parece, de obras de Marcel Duchamp e Andy Warhol, mas de obras de Mike Bildo intituladas "No Duchamp" e "No Warhol".



Entenderam? Para mim, sinceramente, isso é um embuste, uma palhaçada, uma tolice. Jorge Luis Borges, no conto Pierre Menard, autor del Quijote, cria um personagem que reescreve palavra por palavra o Dom Quixote de Cervantes, atribuindo assim um novo sentido à obra. É, evidentemente, uma ironia. Bildo é uma espécie de Menard que se levou a sério - e o mais grave é que todo mundo bateu palmas.

Aspas de Danto: "É parte do que define a arte contemporânea que a arte do passado esteja disponível para qualquer uso que os artistas queiram lhe dar. O que não lhes está disponível é o espírito em que a arte foi realizada." [e isso faz toda diferença].

Ora, levando-se Danto a sério, a implicação direta disso é que não existe mais critério para se estabelecer o que é ou não é arte. Se a técnica e o talento deixaram de ter importância, se não existe diferença visível, por exemplo, entre um objeto do cotidiano e um objeto de arte, o que determina o valor de um artista passa a ser sua capacidade de inserção no sistema da arte, através de uma rede de relacionamentos com marchands, galeristas, curadores, colecinadores – sistema que expeliu, por desnecessários, os críticos. Esse sistema dita o que vale e o que deixa de valer, segundo movimentos que têm muito mais a ver com a Bolsa de Valores do que com a idéia convencional de arte. Ao mesmo tempo, o aspecto sensorial da arte perdeu importância frente ao seu aspecto filosófico: o papel da arte passou a ser refletir sobre si mesma. O próprio Danto assume que o modelo vigente "impossibilita a definição de obras de arte com base em certas propriedades visuais que elas possam ter". Ele vai além, numa sentença que considero verdadeira e estarrecedora (estarrecedora porque tristemente verdadeira): "O que quer se seja a arte, ela já não é basicamente algo para ser visto".

Danto - e, como ele, Hans Belting, em O fim da História da Arte - sugere que o fim da arte começou a acontecer nos anos 60, com a Pop Art e Andy Warhol. Até ali, as obras de arte eram pensadas e avaliadas fundamentalmente em termos estéticos. Toda a arte moderna apresentou questões estéticas, mesmo quando discutia as condições, os meios e os métodos da representação. E foi quando esse predomínio da estética, por algum motivo, deixou de corresponder ao que se produzia, é que o conceito de moderno se tornou insuficiente, e se buscou um substituto: pós-moderno ou contemporâneo (mas não contemporâneo no sentido puramente temporal, já que continuaram existindo artistas preocupados com a estética).

Danto sugere que existiram duas grandes narrativas sobre a arte, isto é, duas grandes modelos que estabeleciam como a arte deve ser: a de Giorgio Vasari, no sec. XVI, correspondente à arte mimética, e a de Clement Greenberg no século 20, correspondente à arte moderna. Os dois modelos bastam para entender a arte de vários séculos, sua natureza e sua função. A narrativa de Greenberg, responsável pela teorização do modernismo, teria deixado de fazer sentido para a arte dos nossos dias. "Contemporâneo", escreve Danto, "passou a significar uma arte produzida dentro de uma estrutura de produção jamais antes vista em toda a História da Arte". A minha conclusão é que hoje não existe mais uma narrativa que permita compreender o passado, o presente e o futuro da arte – a não ser a narrativa do mercado.

É por isso que, desligada da História, uma boa parcela da arte contemporânea caiu num processo de repetição vazia. Para muita gente, a superação das questões modernas representou um vale-tudo, um contexto em que tudo é arbitrário. A questão é: quem arbitra o valor nesse cenário, que Danto descreve como sendo de "desordem informativa" e "entropia estética"? O artista, para ter uma existência social neste modelo, não estaria abrindo mão de sua soberania para se tornar mais facilmente assimilável pelas correntes da moda? Esse pacto econômico que fundamenta o sistema da arte e excluiu a reflexão crítica – a ponto de hoje qualquer pensamento questionador der recebido a pedradas pelos próprios artistas – não estaria mergulhando num divórcio suicida entre arte e sociedade? A anunciada Bienal do Vazio não seria um sintoma de que algo vai mal?

Após o fim da arte – A arte contemporânea e os limites da História, de Arthur C. Danto. Tradução de Saulo Krieger. Edusp, 294 páginas, R$49

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