Saturday, January 19, 2008

Baudrillard e a arte contemporânea


"Peut-être que l'art a seulement été une courte parenthèse dans l'histoire de l'humanité qui s'est ouverte à la Renaissance et qui s'est aujourd'hui déjà refermée, alors que l'immanence des objets, des images et des médias s'est substituée à la transcendance"
Jean Baudrillard

Chris Sharp, um dos editores da revista FlashArt, uma das mais importantes no mundo, bateu os olhos neste blog e me mandou um e-mail pedindo para lhe enviar um artigo em inglês. Mandei uma versão do post A falência da crítica de arte, se e quando for publicado aviso aqui.

Esse tipo de reconhecimento e estímulo é mais do que importante, porque no Brasil tentar debater arte contemporânea é pregar no deserto. Quem conseguiu seu lugarzinho ao sol não admite ser questionado, e quem ainda não conseguiu não quer ficar mal com os colegas bem-sucedidos. Quem sabe amanhã ou depois não rola uma bocada numa viagem para uma feira internacional, com apoio do Governo, não é mesmo?

Já escrevi que a desqualificação do interlocutor é o recurso mais pobre num debate, mas existem outros, como fingir que as questões propostas não existem, ou... classificar de reacionária e direitista qualquer crítica. Me pergunto se essa gente sabe o que são direita e esquerda. O truque é simples: arrastando para o terreno político a discussão, evita-se tocar no que interessa.

Aqui, mais uma vez, o consolo vem de fora. Já citei, para fundamentar algumas idéias, o sociólogo Pierre Bourdieu, que ninguém pode considerar direitista. Regis Debray e Luc Ferry também questionaram aspectos da arte contemporânea, e tampouco são pensadores de direita. Vou citar agora o filósofo Jean Baudrillard, que aliás é muito citado pelos pós-modernos. Tive a oportunidade de entrevistar Bourdieu e Baudrillard, e deste último traduzi um livro, A ilusão vital, lançado pela Civilização Brasileira.

Pois bem, em 1996, em meio a um acalorado debate sobre arte contemporânea que durou anos na França - mas que ainda não chegou ao Brasil, infelizmente - Baudrillard publicou no jornal Libération (que tampouco pode ser classificado de direitista) dois artigos, Le complot de l'art e L'art contemporain est nul, nos quais reduzia toda a produção artística de nosso tempo a uma nulidade insignificante e superficial. "A arte se integrou ao ciclo da banalidade", escreveu.

Sobre as reações enfurecidas que se seguiram, Baudrillard declarou, numa entrevista à revista Época: "Há muita coisa ali, e nas entrevistas que saíram depois [à revista Artpress, por exemplo], que as pessoas não leram e não quiseram ler. (...) Ninguém discutiu. Ninguém leu. (...) As pessoas só querem acertar contas. (...) de um lado você tem o problema da arte, nulidade ou não, isso se discute. De outro lado, há a questão política. (...) A confusão deles foi a de transportar o problema estético à ideologia política, e de dizer que se eu coloco a arte contemporânea em questão, é porque sou de extrema direita. Com esta colagem, eles anularam toda a problemática. Isso é o que é o pior. São práticas intelectuais ignóbeis, verdadeiramente fascistas.

Menos de um mês depois da morte de Baudrillard, no ano passado, o crítico André Rouillé foi capaz de escrever o seguinte: "Jean Baudrillard e seus êmulos tornaram possível a certas pessoas serem abertamente inimigas da arte contemporânea, como outras pessoas são racistas, sem complexos, num total desconhecimento do objeto de seu ódio ou de seu desprezo". Desonestidade e mau-caratismo intelectual da pior espécie, mas que segue a mesma lógica: satanizar o crítico como direitista, reduzir a crítica à ignorância.

O que Baudrillard apontou, com seu refinamento habitual, foi que o sistema da arte passou a trocar e negociar signos, e não mais obras. Foi além: comparou a classe artística à classe política, "já que as duas se caracterizam hoje por um discurso auto-referencial, quase autista, no qual os signos produzidos pelos diferentes atores não se destinam a ninguém mais além deles mesmos. É uma encenação que não remete a nenhuma realidade, numa implosão generalizada do sistema de valor". Da mesma forma, afirmo, o crescente desinteresse da população pela participação política reflete o ceticismo e a indiferença das pessoas comuns em relação à arte contemporânea.

Daria para escrever um livro inteiro sobre os desdobramentos das teses de Baudrilard sobre a arte, mas vou parar por aqui. Que o exemplo sirva para algumas pessoas abrirem sua mente em relação ao debate sobre a produção artística contemporânea.

1 comment:

G.M. said...

Eu aprecio bastante alguns textos de Andre Rouille, e vejo sentido na sua crítica a Baudrillard. O ponto de Rouille nao é acusar Baudrillard de direitista, mas de demonstrar que com sua grande influência intelecutal, Baudrillard conseguiu "redimir" os expectadores da arte contemporânea, quando diz que essa arte é nula e descompromissada (coisa que é verdadeira em tantos casos). Endossado por Baudrillard eu posso dizer que a arte se esvaziou e perdeu força e sentido.