. Em artigo publicado no Segundo Caderno de O GLOBO, na quarta-feira, a artista e curadora Ligia Canongia se queixa do fato de artistas contemporâneos brasileiros serem desconhecidos do público. Pelo que entendi, ela atribui o fenômeno à falta de apoio do Governo e de investimentos da iniciativa privada.
Não é bem assim. Recentemente, o Governo federal gastou um milhão de euros para mandar dezenas de galerias comerciais e centenas de artistas à Espanha. E os galeristas sequer divulgaram os negócios que foram fechados! Ou seja, viajaram com dinheiro
público para auferir lucros privados. Apenas uma ilustração de que a falta de transparência é uma caracerística típica do mercado de arte no Brasil.
Além do mais, se as pessoas não conhecem esses artistas, não é por culpa do Governo nem da iniciativa privada, mas porque a arte contemporânea não se comunica mais com o público. Com honrosas exceções, é uma grande bobagem, feita para alimentar um sistema especulativo dominado por panelas que se elogiam mutuamente.
Muito mais grave do que a falta de acesso aos artistas que a articulista citou (alguns dos quais aprecio, como o José Damasceno) é não se encontrar exposta no Rio de Janeiro nenhuma obra, por exemplo, do Iberê Camargo e outros artistas deliberadamente ignorados pela turma que ocupa, simbolicamente, o poder - turma para quem a única arte brasileira que conta é aquela que deriva de Lygia Clark e Helio Oiticica. Iberê é pintor, né? Coisa mais fora de moda. Arte mesmo é amarrar uma tartaruga num aspirador de pó e chamar de instalação.
. Ou então repetir procedimentos que artistas americanos fizeram há 30 anos como se fossem grandes novidades - e chamar de intervenção. É o caso dos cartazes o artista Alexandre Vogler está espalhando pelo Rio de Janeiro - una foto de mãos femininas com unhas vermelhas entrelaçadas sobre a vagina, simulando um anúncio de esmalte, com o slogan “Base para unhas frágeis”.
Leio que moradores estão protestando contra o mau gosto da obra, que pretende denunciar o sexismo da publicidade, a fetichização da mulher etc. Pretende também, como sempre, “provocar uma reflexão”. Soa a uma importação bastante atrasada das questões de gênero que artistas americanos(as) exploraram à exaustão décadas atrás.
. Leio, por fim, que conservadores do Museu do Prado contestam que o famoso quadro O Colosso tenha sido pintado por Goya, por volta de 1810. Durante quase 80 anos, o quadro esteve exposto com destaque no museu e era considerado uma dos tesouros da arte espanhola. O Colosso representa um gigante enfurecido que ameaça uma cidade - referência à guerra da independência de Madri, em 1808, como reação à invasão napoleônica.
Seja ou não de Goya, é um quadro que, 200 anos depois de pintado, conserva sua força e seu poder de comunicação com o público. É uma obra permanente, como toda grande arte costumava ambicionar ser.
Friday, June 27, 2008
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1 comment:
emilAlexandre Vogler esteve na minha cidade, onde expôs num salão de arte onde eu fazia parte do pessoal de ação educativa. Foi inclusive um dos premiados. Acho interessante essas interferências em sistemas sociais. São válidas como protesto irônico. Só que um artista não deve ser apenas isso. Protestos assim integrantes de ong's ou ativistas fazem. O mais importante é ter uma obra de trajetória concisa e construída com enfâse numa poética própria. Questionar a publicidade e a forma como a imagem feminina é utilizada nela, construindo novamente a mesma imagem (de forma mais intensa até) talvez não seja o antídoto. A resposta talvez esteja em imagens que primem pela poesia e pela força de provocar sentimentos profundos, como qualquer grande obra, em contraste com as imagens cruas e objetivas da publicidade.
Até logo
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