Não sei se acontece com o leitor, mas comigo está cada vez mais difícil assistir a um filme em DVD do começo ao fim. A possibilidade de apertar a tecla pause a qualquer momento, ou mesmo de deixar o resto para outro dia, somada às solicitações caseiras do cotidiano, faz com que eu esteja me tornando um especialista em ver (ou rever) filmes pela metade. Ao longo dos anos, aliás, fui comprando aqueles de que mais gostava, com a convicção de que lhes assistiria diversas vezes. A maioria ainda está lacrada.
Esta é a principal razão pela qual continuo indo ao cinema, mesmo não gostando de filas nem da proximidade física com estranhos, nem dos celulares que tocam, nem do barulho das pessoas - por que será que as mais faladeiras sempre se sentam perto da gente?
Quando o filme é bom, vale a pena o esforço, é claro. Mas isso também está se tornando cada vez mais raro. Os filmes estão piorando ou serei eu que estou ficando mais chato? (Não precisam responder!)
A verdade é que, no cinema - como na literatura, como nas artes plásticas - boa parte da produção do presente (como de qualquer época, aliás) é muito ruim. Os cineastas, escritores e artistas do passado que sobreviveram ao teste do tempo são aqueles que realmente valem a pena. Ou seja, só as futuras gerações saberão se algo da produção contemporânea realmente presta.
Mas no cinema, particularmente, acho que aconteceu um processo de infantilização. Houve um tempo em que havia filmes feitos para adultos, que levantavam questões sérias sobre a vida e nossa relação com o mundo. Hoje a grande maioria das produções exige muito pouco do espectador - mas também oferece muito pouco, além de um entretenimento pré-mastigado.
Incluo nessa categoria mesmo alguns cineastas supostamente “esperimentais”, tidos como grandes autores, que na verdade também oferecem diversão fast-food à platéia, cada vez menor, de cinéfilos, gente que ainda sabe quem foram Bergman e Antonioni etc. É o caso, por exemplo, do estiloso Won Kar Wai, diretor do superestimado “O BEIJO ROUBADO”, ainda em cartaz no Rio: espremendo, não sai nada.
Isso posto, seguem minhas impressões sobre filmes que vi - do início ao fim! - nas últimas semanas:
“O ESCAFANDRO E A BORBOLETA”, de Julian Schnabel:
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Schnabel é um excelente diretor, como demonstrou em Antes do anoitecer. Ele transforma numa narrativa redondinha a história (verdadeira e altamente deprimente) do jornalista francês que sofre um AVC e só consegue se relacionar com o mundo através do olho esquerdo. Mas qual é exatamente o ponto do filme? O balanço que o protagonista faz da própria vida não surpreende pela profundidade. Faltou aquele momento revelador que transformasse um caso tristíssimo numa grande obra - como, por exemplo, o clássico “Johnny vai à guerra“, que narra uma situação parecida. Destaque para a atuação do veterano Max von Sydow como pai do jornalista.
“AMAR NÃO TEM PREÇO”, de Pierre Salvadori:
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Adorei. Audrey Tautou (a Amélie Poulain) está ótima no papel da golpista ambiciosa que acaba se apaixonando por um garçom. Na superfície, é uma comédia altamente eficiente, que atualiza o gênero de forma criativa, com alguns momentos engraçadíssimos. Mas não é só isso: o filme expõe ao ridículo os valores do consumo e da aparência, a transformação da beleza e da juventude em moeda de troca e outros aspectos do modo como vivemos hoje.
“A ÚLTIMA AMANTE”, de Catherine Breillat:
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Acho que foi Samuel Füller quem disse que bastam duas ou três cenas muito ruins para estragar definitivamente um filme, e a diretora Cathérine Breillat erra a mão mais do que duas ou três vezes nesta produção de época. O contraste entre a exagerada Asia Argento - outro dia uma menina, hoje uma senhora, o que torna mais evidentes suas limitações como atriz - e o inexpressivo restante do elenco, entre outros detalhes, torna difícil levar o filme a sério: os momentos supostamente mais trágicos provocam risadas na platéia.
“SEX AND THE CITY - O FILME”, de Michael patrick King:
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Mais deprimente que “O ESCAFANDRO E A BORBOLETA”. Triste assistir a quatro quarentonas pensando e se comportando como adolescentes. Um hino à futilidade e ao Botox - extensivo ao ator que interpreta Big. Pior é que filmes assim acabam estabelecendo modelos de comportamento e reforçando valores os mais tortos, e não apenas entre as Patricinhas de todas as idades: a mensagem é que ter uma bolsa Louis Vuitton é o ideal de felicidade para mulheres de todas as classes. Depois reclamam da pirataria…