Friday, October 19, 2007

DNA e Racismo









Leio que o cientista James Watson, Prêmio Nobel de Medicina em 1962 por suas descobertas sobre a estrutura do DNA, se desculpou hoje pelas declarações infelizes que fez sobre a inteligência dos negros e o atraso do continente africano. Mas uma leitura atenta do artigo em que ele se retrata, publicado no jornal inglês The Independent, sugere que Watson pode ter-se arrependido das declarações pela repercussão negativa que tiveram, mas pensa exatamente o que disse (para quem não acompanhou a história: "Todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [dos negros] é igual à nossa, apesar de todos os testes dizerem que não. (...) Pessoas que já lidaram com empregados negros não acreditam que isso [a igualdade de inteligência] seja verdade")

O artigo-retratação começa assim: "A ciência não é estranha à controvérsia. A busca de conhecimento é freqüentemente desconfortável e desconcertante. Nunca temi declarar o que acredito ser verdade, não importando o quão difícil seja. Isso, de vez em quando, me deixa em maus lençóis." Em seguida Watson pede rápidas desculpas, acompanhadas de um "Não foi o que eu quis dizer", fala do filho esquizofrênico e, no resto do artigo, defende a genética comportamental, isto é, aquela que afirma que seqüências de DNA têm influência direta no comportamento das pessoas - o que abre terreno para desdobramentos perigosos (ver o post abaixo): "A idéia de que algumas pessoas são más por natureza me perturba. Mas a ciência não está aqui para fazer a gente se sentir bem".

O assunto é mais complexo do que parece. O conhecimento científico deixou de ser absoluto: ele está associado a valores, projetos ideologias etc. A própria idéia de verdade científica já foi posta em questão. Pesquisas diferentemente orientadas podem chegar a resultados opostos sobre um mesmo tema ou objeto, dependendo da vontade de quem encomenda a pesquisa, mas, mais do que isso, de um ambiente geral que determina o que convém ou não ser pesquisado e dito. Em outras palavras: aquilo para o que é legítimo procurar uma "base científica".

É um avanço, em todo caso, que declarações como a de Watson provoquem hoje uma controvérsia internacional. Mas não foi a primeira vez que o geneticista fez comentários inconvenientes - a Folha de S.Paulo de hoje pinçou mais alguns:

-Sobre homossexuais
"Se alguém encontrar um gene que determine a sexualidade [de um feto], e uma mulher [grávida] decidir que ela não quer ter uma criança homossexual, deixe ela."

-Sobre obesos
"Sempre que você faz uma entrevista [de emprego] com pessas gordas, você se sente mal, porque sabe que não vai contratá-las."

-Sobre mulheres feias
"As pessoas dizem que seria terrível se nós tornássemos todas as garotas bonitas [por meio de manipulação genética]. Eu acho que seria ótimo."

Nada disso é aceitável vindo da boca de um cientista, mas quantas pessoas, intimamente, não concordam com pelo menos uma dessas idéias? O imperativo de se combater qualquer tipo de preconceito não muda o fato de que a vida real costuma ser dura para homossexuais, obesos e mulheres feias. Talvez a ciência devesse, sim, trabalhar para fazer as pessoas se sentirem bem, e não para reforçar sua infelicidade.

Acho que foi Einstein quem disse que é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.

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