Sunday, October 28, 2007
Eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro
No Brasil existem temas em que é impossível o debate avançar, simplesmente porque as pessoas estão fechadas com uma determinada posição. Qualquer discussão construtiva pressupõe um mínimo de disposição para reconhecer que você está certo e eu estou errado, se isto for racionalmente demonstrado. Ou seja, disposição para aceitar a possibilidade de mudar de idéia.
Aqui isso não existe. Elege-se uma opinião como uma segunda natureza, uma trincheira impenetrável, mesmo quando todas as evidências demonstram a sua fraqueza. E este compromisso vira um credo, uma religião em torno da qual se desenvolvem as referências e as redes de relacionamento do indivíduo. Este constrói sua identidade não através do exame crítico do que acontece à sua volta, mas por meio da adesão incondicional àquilo que for mais favorável aos seus interesses imediatos. O melhor caminho é para onde o vento sopra.
Para muita gente, por exemplo, o petismo é uma religião. Quem teve a oportunidade de participar de um grupo de discussões do PT sabe que o que importa ali é reforçar mutuamente a convicção de que tudo que o partido fizer está certo, simplesmente por ser o PT. Qualquer diferença é esmagada e expelida. A cegueira voluntária dos petistas na época do escândalo do Mensalão foi exemplar. Que importância tinha a verdade, quando comparada à força desta convicção? Que sacrifício podia ser considerado alto demais, diante desta certeza?
A questão das drogas no Rio de Janeiro é outro tema que parece impermeável a qualquer debate produtivo. Ninguém vai deixar de fumar seu baseado ou cheirar seu pozinho por meio do convencimento racional, mesmo que se demonstre por A + B que isso alimenta a cadeia de produção de uma engrenagem que tem gerado violência e dor em escala industrial. É desanimador. Mesmo assim:
O impacto social negativo da droga hoje prevalece de goleada sobre o eventual impacto individual positivo que ela teve ou tem. A desordem coletiva não está compensando a eventual desordem individual - que pode ser criadora, gerar prazer sensorial etc. Ainda é possível, honestamente, associar as drogas à rebeldia libertária, à resistência ao sistema ou à desobstrução da criatividade artística? No passado pode ter sido assim: hoje o consumo integra uma indústria milionária que tem como um de seus motores a destruição indiferente de vidas, em todas as classes sociais, do menino do morro ao jovem da Zona Sul.
Será que algum usuário de Ipanema que ficou indignado com o filme Tropa de elite faz idéia do que é o cotidiano das pessoas na Favela da Coréia, em Senador Camará, ou em qualquer comunidade dominada pelo tráfico? Duvido muito. A liberdade e a autonomia do indivíduo são valores fundamentais, mas cada escolha implica responsabilidades e deveres em relação à coletividade, não apenas direitos.
Não se trata de culpabilizar o usuário, mas de fazer com que ele entenda as implicações que o consumo pode ter na vida das pessoas à sua volta e na qualidade de vida da cidade onde mora. A vida é feita de escolhas: não dá para financiar o tráfico no sábado à noite e participar de passeata pela paz no domingo de manhã. A não ser que se deixe de lado a hipocrisia e se vista logo uma camiseta com os dizeres:
Eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro
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4 comments:
Texto interessante. Gostei muito.
:)
Muito bom! Só acrescentaria minha modesta opinião sobre certa pseudo 'unanimidade'. A de que existem muitos 'peixes graúdos' blindados em condomínios de luxo. Há alguns otários sim, normalmente também viciados. Volta e meia um 'dança'. Mas o tráfico mafioso tem sua mega distribuição diluída em milhares de pontos. Semelhante à distribuição das drogas legais Seagrams, Ambev ou Souza Cruz. Poucos ganham muito. Ou alguém fica muito rico vendendo cigarros? Só os muito pobres pensam assim.
Muito bom! Gostaria de acrescentar minha modesta opinião a respeito de uma certa pseudo 'unimidade'. A de que existem 'peixes graúdos' por trás do tráfico, blindados por viverem em condomínios de luxo. São poucos e efêmeros esses aviões da 'zelite'. Volta e meia um 'dança'. A mega distribuição mundial é diluída no grande varejo. Muito parecida com o cigarro Souza Cruz. No caso da cocaína e outras mais pesadas, se assemelha à distribuição de bebidas. Alguém fica rico por vender muito cigarro? Só os muito pobres acham isso.
Caro Luciano
Excelente texto (excelente dica do Blogildo).
Embora eu concorde plenamente com teus argumentos, vale lembrar que as drogas, o tráfico e os viciados existem em todo o mundo, seja na tolerante Holanda ou na ditadura chinesa, mas criancinha dilacerada arrastada por um carro e 50.000 assassinatos por ano é um recorde exclusivo do Esgotão. Há uma óbvia desproporção que não pode ser debitada somente aos viciados - o que não minimiza suas responsabilidades. São décadas de governos medíocres, de impunidade total, de discursos hipócritas dos viva-rio e congêneres, de uma educação pública de péssima qualidade e das polícias completamente desmoralizadas...Haja violência.
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