Thursday, November 29, 2007
A arte contemporânea segundo Arnaldo Jabor
Trecho de uma coluna do Arnaldo Jabor (Arte e pensamento estão num beco sem saída, 3/5/2005). Na ilustração, uma obra de Demian Hirst, intitulada The physical impossibility of death in the mind of someone living:
Na arte, então, tudo ficou também um bode negro. A destruição que vemos na vida, o império da sordidez mercantil, a ignorância no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade da indústria cultural, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda está muito além de qualquer “denúncia” artística; o mal é tão profundo que denunciá-lo mecanicamente destruindo a própria arte como uma “prova do crime” acaba virando quase uma cumplicidade.
Sobrou para os artistas uma atitude geral masoquista, se mutilando na body art , se furando, querendo recuperar uma importância que tiveram nos tempos do modernismo, nem que seja pela destruição de si mesmos, para evitar o terrível sentimento de que talvez a arte tenha virado mesmo a mera produção de objetos descartáveis, desnecessários. Aceitar o efêmero da arte é vivido como a aceitação da morte. Aceitar apenas a produção de objetos vendáveis para as salas da burguesia é a derrota consumada. A morte da “aura” da arte está mais difícil de aceitar do que se pensava. Assim, o artista se vê como um profeta abandonado, e ele mesmo passou a usar a luz da “aura”, passou a ter “aura”, como um halo, como uma coroa de espinhos para sua solidão. O artista quer virar a obra de arte. E tudo faz para esquecer seu abandono, mesmo que seja expor seus excrementos numa latinha na Bienal de Veneza.
Caiu-me nas mãos uma revista velha com entrevista de Brad Holland, um ensaísta sacana e brilhante. Ele fala da arte de hoje e, de tabela, refere-se ao beco sem saída a que me refiro desde o início deste artigo-cabeça. Diz ele: “Duchamp fez uma obra-prima que foi um urinol. E chegou no fim da vida jogando xadrez como se fosse um objeto artístico. Meu avô também, acabou num urinol, jogando xadrez.(...) Tanto o dadaísmo como o surrealismo estão superados. É impossível distinguir esses movimentos estéticos da vida cotidiana.” Holland também sacaneia o expressionismo abstrato: “As multinacionais não podiam enfeitar seus “halls-Bauhaus” com retratos de palhaços tristes e casinhas de campo. Por isso, o abstracionismo foi inventado”. E depois: “Estamos tentando romper com as normas é, hoje, o slogan do anúncio do McDonald’s”. E a frase suprema: “Antigamente, o artista de vanguarda chocava a classe média; hoje, a classe média choca o artista de vanguarda”.
E, aí, vemos a verdade: a arte contemporânea está muito aquém da realidade. Que performance ou happening será mais contundente ou expressivo que a destruição de Nova York, do WTC? Que cadáver exposto dentro de garrafas ou latinhas de bosta ou tubarões podres ou latas de lixo são mais assustadores que a eternidade da guerra Israel-Árabe ou do inferno do Iraque? Sobrou uma denúncia tola (que aliás absolve gentalha sem talento), muito aquém da complexidade do horror de hoje.
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