Thursday, November 29, 2007

A arte contemporânea segundo Ferreira Gullar


Recapitulando:

Duas semanas atrás, a revista Isto É publicou uma matéria do repórter Ivan Claudio sobre duas exposições, na qual ele ouvia as artistas e o crítico Ferreira Gullar. A partir das declarações dos três, escrevi, inicialmente, alguns posts neste blog, e em seguida, um artigo publicado na Folha de S.Paulo. Recebi uma tonelada de mensagens, tanto entusiasmadas quanto enfurecidas, tanto de artistas quanto de gente comum. A Folha já abriu espaço para três réplicas, as duas últimas bastante ralas. Enviei um novo artigo ao jornal, mas não sei quando vai sair. Enquanto isso, usei este blog como espaço para desenvolver o tema e expor algumas manifestações que chegaram sobre o debate. Quem quiser recuperar tudo desde o início deve procurar no arquivo deste blog o post Será arte?

Como, de certa forma, o Gullar foi o pivô da polêmica, e como ninguém é obrigado a saber o que ele pensa sobre arte, acho interessante publicar um trecho de uma entrevista sua. Isso não significa que concordo integralmente com suas idéias: concordo com bastante coisa, mas não acho que seja o caso de condenar a arte conceitual em bloco - apesar de alguns terem atribuído a mim esta generalização (mas respeito quem a faz, como o crítico Robert Hughes - ver post abaixo). Por exemplo, admiro diversas obras de dois artistas que o Gullar cita na entrevista, Cildo Meireles (sobretudo a sua produção dos anos 70, associada a uma contestação severa da ditadura militar; aliás, o fato de no Brasil a arte conceitual ter coincidido com a ditadura fez com que aqui ele fosse menos auto-referente do que em outros países, e até do que é hoje aqui mesmo)e Jac Leiner (sobretudo seus primeiros trabalhos). Aliás, tenho até uma gravura do Cildo na parece do meu escritório.

Ou seja, não tenho o compromisso de gostar nem desgostar de ninguém, só não suporto a burrice e a intolerância. As pessoas precisam parar de formar igrejinhas, de enxergar as coisas em preto e branco - e de achar que quem pensa diferente está automaticamente errado, o que é uma atitude autoritária de quem está desacostumado ao debate. O mais irritante é ser criticado pelo que não escrevi, ou, pior ainda, por intenções que não tive e, por causa de uma leitura torta, atribuíram a mim. É gente que tem preguiça ou medo de refletir criticamente sobre as coisas.

Ilustrando este post, Projeto Coca-Cola (1970), de Cildo Meireles. Ele gravou em garrafas de refrigerantes informações e opiniões críticas, devolvendo-as à circulação. A tinta branca só aparece em contraste com a cor escura da coca-cola, quando a garrafa está cheia. Intervenção da melhor qualidade.

Segue a entevista do Gullar:


O senhor diz que a arte tem que emocionar, caso contrário não é ar­te. No entanto, hoje em dia as pes­soas teorizam tanto a arte...
Existe uma tese da arte conceitual, da arte feita só por idéias. Isso não tem cabimento. Para refletir, preciso ler filosofia, não vou me ocupar do estilo de pintar do Cildo Meirelles para fazer isso. Ele é um excelente pintor, mas por que ele não pinta em vez de fazer o que está fazendo? Co­loca escrito na obra "Urinóis – cocô artificial com planta natural". É para pensarmos sobre isso? O que vamos pensar sobre cocôs e plantas artifi­ciais? Isso é muito pobre. Se ele fi­zesse os guaches que fazia antes, se comunicaria e transmitiria coisas que as pessoas poderiam sentir por meio da arte. Estive agora em Paris e fui ao Museu de Arte Moderna. Só vale pelo acervo de obras realizadas até a dé­cada de 40. Depois disso, nada vale a pena. O museu está vazio, ninguém vai lá. Tinha até uma exposição da Yoko Ono, que só faz besteira tam­bém, mas mesmo assim estava vazio. Só está lá porque ficou famosa de­pois que casou (com o ex-beatle John Lennon). É inacreditável ver os dire­tores do museu convidando esse tipo de gente para expor. O resultado dis­so é que ninguém vai lá ver a exposição. Já o Louvre recebe multi­dões de pessoas, assim como o Mu­seu Picasso.

E quanto aos críticos que escre­vem páginas e páginas sobre essa ar­te conceitual? As vezes, ao terminar­mos de ler uma dessas críticas, nos sentimos péssimos, pois não enten­demos nada.
Nem eles entendem, porque não há o que dizer sobre isso. A Jac Lemer fez uma exposição no Rio de Janeiro com umas maletas de viagem e teve um crítico que citou Heiddeger e Marx para apresentar a exposição. Não tem nada a ver com nada. É um texto indecifrável que, na verdade, não significa nada. O crítico não tem o que dizer e fica inventando. Vai di­zer o quê? Que as maletas estão bem arrumadas no espaço? Realmente não há o que dizer, pois ela nem fez as ma­letas, as comprou prontas. A rigor, não pode haver crítica sobre essa bes­teirada. O difícil é explicar como isso se mantém há décadas. A Bienal de Veneza acabou de ser inaugurada com as mesmas bobagens. Antes de ser aberta ao público, um cara mandou uma proposta de instalação que é um absurdo, e foi obedecida pela direção do evento. A idéia propunha a criação de um muro que fechava a entrada do pavilhão espanhol. Para que a entrada fosse permitida, seria necessária a apresentação do passaporte espa­nhol. Ou seja, ninguém conseguia en­trar. E o incrível é que a Bienal topou isso! Na verdade, o artista estava era fazendo uma grande gozação com a Bienal, gozando a instituição. Essas pessoas são niilistas. Destruíram a ar­te, são pessoas que não têm o que fa­zer na vida e, com razão, gozam uma instituição que quer instituir algo que não existe. Essa instituição tanto vive um impasse que aceita a sugestão de um cara que manda fechar a porta da sua própria exposição. Afinal, se ne­gasse o pedido, ela não seria uma ins­tituição de vanguarda, seria conserva­dora. e como é de vanguarda tem que dizer sim. Só que isso acaba com ela. O que acontece então? Acontece que a Bienal praticamente não tem mais expressão alguma. É moribunda, está se autodestruindo. Aceitar esse tipo de coisa é autodestruição. (...) A última Bienal foi um fracasso. Todos os vídeos eram chatérrimos e cheios de boba­gens. Em Paris, assisti recentemente a um vídeo que só mostrava um cara berrando sem parar. Interna esse ca­ra! Vídeo bom é aquele que narra al­guma coisa.

4 comments:

Noga Sklar said...

Luciano, pelo menos numa coisa a gente tem que concordar: esta polêmica está muito divertida. Já ri tanto que até imaginei Ferreira Gullar no palco fazendo comédia-em-pé com aquelas mão enormes, tá, vamos combinar, no caso dele, devido à idade, teria que ser comédia sentado mesmo...

Unknown said...

Luciano, parabéns pelo Blog e pela matéria, são textos como este que contribuem para a mudança do olhar.
O assumto é sério e é preciso muito repertório pra debatê-lo, felizmente existem grandes caras como o Ferreira Gullar e o Affonso Romano de Sant'Anna para fazer frente a todo este lixo.

Stela Atanázio said...

Bom podermos contar com a coragem de Ferreira Gullar por vezes tão rude, mas sempre tão pertinente."A busca da pseudo vanguarda, do pseudo ineditismo, tem matado a arte em nome do novo. O conceito, a idéia é importante sim, assim como a emoção que a arte expressa. Mas é inaceitével supor que tenham maior importância que a forma, que a técnica, que a genialidade.
Vanguarda é o que está a frente (avant-garde), é ter coragem de expressar suas idéias sem temer a crítica pregando o retorno a valores artísticos sólidos, que resgatem a verdadeira escência da arte"

Stela Atanázio said...

Bom podermos contar com a coragem de Ferreira Gullar por vezes tão rude, mas sempre tão pertinente.
A busca da pseudo vanguarda e do pseudo ineditismo, tem matado a arte em nome do novo.
O conceito, a idéia é importante sim, assim como a emoção que a arte expressa.Mas é inaceitável supor que tenham maior importância que a forma, a técnica, que a genialidade.
Vanguarda é o que esta à frente (avant-guarde)é ter coragem de expressar suas idéias sem temer a crítica, pregando o retorno a valores artísticos sólidos que resgatem a essência da verdadeira arte.