Monday, December 03, 2007

Começo a ficar enfastiado


Recebi um longo artigo de Almandrade, artista plástico que tem no currículo a participação em três Bienais de São Paulo. Seguem os trechos mais relevantes, mas confesso que já estou um pouco enfastiado. Minha intenção era provocar um debate produtivo, mas não existe debate possível com gente que só enxerga o que quer, que só entende o que quer e que, na falta de argumentos, recorre a zombarias, geralmente escritas em mau português. Às vésperas de 2008, continuamos presos a um urinol de 1917, 90 anos atrás! O cachorro, a orelha, a paçoca, as maçãs, são todos filhos bastardos desse urinol - contemporâneo, sim, mas da Revolução Russa! A União Soviética já acabou faz tempo, mas o urinol continua lá, idolatrado, no altar do niilismo cínico ou desesperado!

Será que nada foi feito de relevante depois de 1917? Por que ninguém fala mais em Picasso e tanta gente se inspira em Duchamp? A resposta é simples: a arte de Picasso
exige talento, técnica, reflexão sobre a vida e a História, enquanto Duchamp, por genial que tenha sido em seu momento, traz uma mensagem muito mais fácil de ser assimilada e copiada: qualquer um pode ser artista, como no anúncio da Caninha 51 basta uma boa idéia! O talento, a criatividade, o artesanato e o pensamento deixaram de ser relevantes; a própria mão do artista se tornou dispensável. Como é gratificante saber que não é preciso estudo, treino, empenho, paciência, vocação, nada para se tornar artista, além da convicção de que se é artista e do reconhecimento "da galera"!

Não estou dizendo que não existem instalações nem obras conceituais artisticamentre relevantes. É claro que existem. O que estou dizendo é que nem toda instalação e obra conceitual são relevantes: se isso provoca tanta indignação, alguma coisa está errada.

A crise da arte contemporânea é um tema em discussão no mundo inteiro, tanto do ponto de vista estético (o suicídio da arte pela opacidade, pela superficialidade e pela repetição teimosa de modelos de 50 anos atrás) quanto do ponto de vista institucional (a crise das bienais e o esgotamento de um modelo mercadológico que roubou a soberania do artista). Todos os anos, saem livros e mais livros discutindo isso, na Europa e nos Estados Unidos. Mas no Brasil propor essa discussão é proibido: quem se aventura a fazê-lo vira "filhote" de Ferreira Gullar, a encarnação do demônio para essa gente. Muito difícil.

Aliás, agora entendo por que o Gullar evitou se manifestar sobre o assunto em sua coluna na Folha de S.Paulo: ele deve estar muito mais enfastiado do que eu. Para que se aborrecer? Que continuem chamando de arte matar cachorros de fome e implantar orelhas no braço!

Segue o artigo do Almandrade (na ilustração, sua tela "O Carnaval de Wittgenstein"):

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A arte, entendida, como meio de conhecimento, hoje em dia, vem cedendo lugar a uma experiência ligada ao lazer e a diversão, que envolve outros profissionais como responsáveis pela sua legitimação: o curador, o empresário patrocinador e organizador de eventos, marchands, profissionais de publicidade, administradores culturais e captadores de recursos. Com as leis de incentivo a cultura e a presença marcante da iniciativa privada, paradoxalmente, levou a arte a um limite, o fim da obra, do trabalho ligado a um saber. E o artista, nem artesão e nem intelectual, sem dominar qualquer conhecimento, está cada vez mais sujeito ao poder do outro. As grandes mostras são grandes empreendimentos para atender à indústria do entretenimento, (mais empresarial e menos cultural), que movimentam uma quantidade significativa de recursos e envolve um número assustador de atravessadores. (...)

As contradições modernidade / tradição, contemporâneo / moderno, neste início de século, cede lugar a uma outra contradição: artistas que pertencem ao metier e artistas estranhos ao metier, inventados por empresários da cultura, cujos trabalhos se prestam para ilustrar uma tese ou teoria imaginária de um suposto intelectual da arte e garantir o retorno do que foi investido pelo patrocinador e pelo comerciante de arte. Uma mercadoria fácil de investir, sem risco de perda, basta uma boa campanha publicitária. O artista pode ser substituído por um ou por outro, a obra é o menos importante. Aliás, é o que a indústria do marketing tem feito com as mostras dos grandes mestres como: Rodin, Manet, etc., pouco importa as obras desses artistas e sim o nome e o patrocinador. A publicidade leva consumidores/espectadores como quem leva a um shopping center. A quantidade de público garante o sucesso. O público é como o turista apressado, carente de lazer cultural que visita os centros históricos com o mesmo apetite de quem entra numa lanchonete para uma alimentação rápida.

Na “sociedade do espetáculo”, regida pela ética do mercado, o artista sem curador, sem marchand, sem patrocinador, é simplesmente ignorado pelas instituições culturais, raramente é recebido pelo burocrata que dirige a instituição. Seus projetos são deixados de lado. Também pudera, essas instituições, sem recursos próprios, tem suas programações determinadas pelos patrocinadores. Numa sociedade dominada pelo império do marketing, a realidade e a verdade são mensagens veiculadas pela publicidade que disputa um público cada vez maior e menos exigente. A vida é vivida na especulação da mídia, na pressa da informação. E neste meio, a arte é uma diversão que se realiza em torno de um escândalo convencional, deixando de lado a possibilidade do pensamento. (...)

Na barbárie da informação e da globalização, estamos assistindo ao descrédito das instituições culturais e da dissolução dos critérios de reconhecimento de um trabalho de arte. Tudo é tão apressado que acaba no dia seguinte, os artistas vão sendo substituídos com o passar da moda, ficam os empresários culturais e sua equipe. Uma corrida exacerbada atrás de uma “novidade”, que não há tempo para se construir uma linguagem. O chamado “novo” é a experimentação descartável que não chega a construir uma linguagem elaborada, mesmo assim, é festejado por uma crítica que tem como critério de julgamento interesses pessoais e institucionais.

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