Abaixo, um artigo da Daniela Labra no site Canal Contemporâneo. Entre colchetes, alguns comentários meus. Talvez comente mais depois.
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Arte e Fla x Flus, por Daniela Labra
É admirável como as discussões públicas sobre o tema Arte Contemporânea se tornam verdadeiros Fla x Flus muito facilmente. De um lado, críticos e artistas inconformados com a história do século XX que transformou a arte numa espécie de engodo para satisfazer um mercado consumista, fabricante de estrelas fugazes das artes plásticas, muitas vezes sem preparo técnico adequado.
Do outro lado da discussão, outros artistas, críticos, curadores e todos os que se interessam positivamente pelo tema, não o compreendendo como uma aberração histórica, mas como um caminho estranho e instigante que a arte tomou ao se desligar de sua premissa número um que era representar mimeticamente a natureza.
Em comum, ambos os lados parecem querer defender seus pontos de vista como se fosse uma verdade. O curioso é perceber como se dão tais críticas e suas réplicas, sempre muito reativas e pouco cordiais, principalmente daqueles que são ‘contra’ a arte contemporânea. [Depois sou eu que generalizo: eu não sou "contra a arte contemporânea", sou contra uma determinada vertente da arte, como já disse e repeti mais de uma vez: sou contra quem é sectário, impositivo e alérgico a críticas e a pensamentos diferentes dos seus; sou contra quem deixa um cachorro morrer de forme num canto de galeria e chama isso de arte; mas sou a favor de Vik Muniz, Adriana Varejão e dezenas de outros artistas. E aí?]
Ao ler artigos de alguns ‘contra’ [pronto: está decretado que sou um "contra"! É assim que funcionam os debates no Brasil] em terreno brasileiro como Affonso Romano de Sant’anna, o poeta Ferreira Gullar e o jornalista Luciano Trigo, percebemos que os comentários normalmente partem para o ataque desde uma visão unilateral e utilizam uma arma fácil de ser usada contra o alvo: o ridículo. [Por que será tão fácil? Talvez o problema seja do alvo] Além de piadas e denominações bem-humoradas mas pejorativas (como ‘arte caninha 51 - a da boa idéia’ de Gullar e ‘arte horti-fruti’ de Trigo, para obras que usam alimentos orgânicos), também são utilizados outros recursos como: insistir em acusar a arte conceitual (ou o precursor Duchamp) como a linha filosófica que destruiu - e banalizou a produção de arte; enxergar apenas um lado da formação do artista plástico acusando-o de fazer arte sem preparo, sem estudo, sem técnica; obsessão em ver o mercado como o vilão que torna a arte um mero objeto de consumo e faz do artista um pop-star fugaz ou um enganador pois suas obras, realizadas sem o menor apuro, serviriam para ganhar dinheiro às custas da ingenuidade do público. [E cadê as respostas a isso tudo?]
Outro mote recorrente em tais textos revoltados com os fatos, é a afirmação que os artistas de hoje apenas reeditam coisas que já foram inventadas há 40 anos (pela Pop Art e depois pela a Arte Conceitual) e que como afinal a arte está francamente em crise, os que produzem instalações, performances, ou coisas que surgiram naquele período deveriam parar de repetir os movimentos passados e buscar enfim fazer algo ‘novo’. [De novo, cadê a argumentação que refute isso?]
Não se deve ignorar, contudo, que em todas as acusações listadas acima existe sim o seu lado verdadeiro. [Ah bom...] Hoje vivemos a era da repetição de temas e da banalização da imagem e sua circulação. Os quinze minutos de fama de Warhol foram enxugados para 5 minutos, e é certo que atualmente tudo é passível de se tornar mercadoria - os corpos, as idéias, os objetos inúteis e qualquer coisa que seja chamada de Arte por um sistema institucional.
Além disso, não deve ser considerado mero detalhe que o artista contemporâneo não precise ser necessariamente formado em artes ou desenho técnico para executar seu trabalho, o que muitas vezes desperta incompreensão e uma certa revolta dos leigos - e dos ‘contra’. [Isso é simplesmente uma mentira: em nenhum momento sugeri a necessidade de artista ter diploma. De novo: atribui-se uma barbaridade ao interlocutor, e depois se responde: esta é a forma de se debater no Brasil] E este ponto talvez seja aquele que torne a situação da arte mais difícil pois pode ser constrangedor assumir que um artista com formação propícia pode ter obra muito menos interessante do que o biólogo que resolveu virar artista.
Diante de espantosa realidade, é possível então descambar para a mais corriqueira de todas as discussões sobre arte contemporânea: como avaliar o que é ‘de qualidade’ [Por que esta discussão seria corriqueira? Para mim é fundamental] se os parâmetros formais da obra e os de formação do artista não mais definem o valor artístico? Se a arte se tornou pesquisa, processo, discurso, como a profundidade disso pode ser medida apenas pela obra ‘acabada’, exposta? E daí, diante das longas possíveis respostas sobre arte processual, conceitos e desmaterialização do objeto artístico, pode-se estimular a discussão a qual os ‘contra’ mais gostam: na verdade é tudo um embuste e uma confusão provocados pelo mercado e pelos críticos vendidos que fabricam artistas e decidem o que é bom para o público consumir.
No modo indelicado como o assunto é abordado por aqueles que são do ‘contra’ [só os contra são indelicados, né? Vou mostrar à Daniela algumas mensagens que recebi de artistas famosos], obras são desqualificadas como sendo meras reedições, e em suas declarações percebemos um olhar moderno que clama sempre por uma tal arte nova, cuja direção para encontrá-la é um mistério. E então vemos uma armadilha dos ‘contra’, para com eles mesmos: estes reclamam de velhos conceitos encobertos por supostas novas propostas, mas não percebem que sua postura também reedita um olhar caduco que parece acreditar sobretudo no formato do suporte e no esmero de uma técnica precisa, tal como era até o final dos anos 50. [Sofisma]
Se de acordo com os contra, depois da Arte Conceitual nada mais vem sendo inovado, o que dizer das experiências interessantes no campo da web art, da bio-arte 1, da sound art, e mesmo da vídeo-arte, para citarmos apenas categorias específicas? É evidente, ainda, que a performance de hoje não é a mesma dos anos 1970, seja pelo contexto ou pelo discurso que se atualiza e renova, o mesmo valendo para a pesquisa do site-specific, entre outros. Não podemos esquecer que durante séculos os artistas investiram no suporte da escultura e da pintura, e que até hoje pesquisas pictóricas continuam sendo feitas com sucesso e inovação. É justo portanto acusar a arte contemporânea de ser uma grande invencionice conspiradora a favor do comércio mas contra o público e contra a própria arte? [O tempo vai responder, mas os sinais estão aí para quem quiser ver: Bienal vazia etc]
Que venha o debate, mas que ele aconteça de modo mais delicado. É muito simples acusar tudo de entulho, [generalização] dizer que Duchamp foi o pai do embuste da arte contemporânea [eu disse mais de uma vez que Duchamp fou um gênio] e esbravejar por ‘caminhos novos’ para a arte. Como a arte justamente não se trata mais de fórmulas e como não podemos negar que vivemos em tempos de mercantilização geral, a delicadeza para analisar a produção artística é fundamental. Se a arte libertou-se da forma do objeto e também se tornou idéia, filosofia, [em termos, né? mas isso exige um comentário maior] a reflexão sobre ela se faz premente mas requer cuidado. Obviamente nem tudo que reluz é ouro (ou arte) mas também nem tudo que parece lixo está desprovido de caráter artístico - pelo menos dentro das acepções moderna e contemporânea de arte. A primeira libertou o quadro do cavalete e a escultura do pedestal, e a segunda, a idéia da carcaça formal de um suporte estático e material.
[Resumindo: a Daniela se esforça para escrever um texto equilibrado, mas deixando claro de que lado está. Cuidado, Daniela, reconhecer que existe um "lado verdadeiro" no que escrevi pode te custar muitos aborrecimentos...]
Saturday, December 08, 2007
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1 comment:
Gostaria de comentar sobre “a mais corriqueira de todas as discussões sobre arte contemporânea: como avaliar o que é ‘de qualidade’”.
Hoje se fala muito em interatividade. Em minha opinião, toda obra de arte interage. Mesmo quando “representava mimeticamente a natureza”, a arte nunca foi meramente contemplativa, como já disseram: “será que mesmo a mais precisa imitação, a mais passiva reprodução não representa a expressão de uma escolha?” Se for arte, sempre haverá uma interação e um questionamento. O importante é que estes precisam estar em sintonia com o seu tempo.
Quando o artista é mestre, a obra dele te domina, te arrebata, e no seu máximo grau de genialidade, te leva exatamente aonde ele queria, sem texto, sem explicação, sem nada, porque não precisa. Ele te deixa sem escolha, embora você nem se dê conta disso. Um exemplo? A obra “Elemento Desaparecendo/Elemento Desaparecido” do Cildo Meirelles que está na exposição “Presente do Futuro” no Itaú Cultural em SP. Não há como questionar a qualidade da obra ou do artista. Não há como estabelecer Fla x Flus!
Por outro lado, há obras que quantas pessoas interagirem, tantas sensações, questionamentos e interpretações existirão. Aqui também há qualidade, eu apenas me pergunto sobre a necessidade de muitas vezes fornecer uma explicação. Não será isso um direcionamento que não somente limita como também subestima não só o observador como também a própria obra? Uma ditadura do artista? Não é mais interessante explorar essa característica?
Num terceiro plano estão as obras que só fazem sentido se houver uma explicação. E neste caso, não adianta atribuir ao observador (leigo, crítico, artista ou não) uma incapacidade de compreensão quando na verdade a incapacidade é do artista que não conseguiu nada com sua obra, pois ela já nasceu muda, inerte, não diz nada, não questiona nada e não te leva a lugar algum, embora você até tente, num exercício inútil de imaginação, já que nada mais resta. Essas obras não passam de uma baboseira intelectual que só toca o artista. Tire a “bula” e a obra estará acaba. Como dizer aqui, que há qualidade?
Acredito que essa seja uma das muitas e muitas e muitas formas de se avaliar o que é de qualidade na arte contemporânea, aliás uma discussão que é fundamental, como disso o Luciano.
Atenciosamente,
Argênide
www.argenide.com.br
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