Saturday, December 29, 2007

O futuro à deriva

Esta semana encontrei num sebo do Centro um livro sensacional e há muito tempo fora de catálogo: Art without boundaries: 1950-1970 ("Arte sem fronteiras"), de Gerald Woods, Philip Thompson e John Williams, publicado pela Thames & Hudson em 1972. Trata-se de um balanço fartamente ilustrado de 20 anos que mudaram a arte, e dos seus artistas mais representativos. Foi efetivamente, um período de diluição de fronteiras nas artes visuais: pintura, escultura, cinema, tipografia e gravura passaram a conversar, e o mito da pintura como arte ideal e transcendente foi subtituído pela afirmação de que a arte, como todas as atividades humanas, está ligada a circunstâncias materiais e históricas. Foi nesse período em que a Arte perdeu seu A maiúsculo, para o bem e para o mal.


Ao lado de artistas cujas obras sobreviveram à prova do tempo (Lucio Fontana, David Hockney, Christo, Sol Lewitt etc), estão muitos outros que caíram no ostracismo e desapareceram do mercado, é verdade, mas isso é natural.

O que não parece natural é que as obras dos mais de 70 artistas reproduzidas ali, em 333 ilustrações, sejam perfeitamente intercambiáveis - em suas propostas, estilos, materiais - com as obras reunidas, 35 anos depois, na exposição Futuro do Presente, realizada pelo Itaú Cultural, em São Paulo. Não vou entrar em juízos de valor estético sobre esta mostra (há artistas ali que aprecio, aliás), porque o debate acabaria caindo numa questão de diferenças de gosto ou opinião. Mas me parece problemática essa semelhança, mesmo na sua aparente diversidade, de exposições separadas por um intervalo de décadas - o que reforça algumas hipóteses que tenho apresentado aqui: a arte contemporânea entrou numa egotrip pós-moderna auto-referencial e suicida da qual não consegue nem parece querer sair.


Uma das características do pós-modernismo é não se apresentar como um projeto, não se basear uma agenda nem se identificar com qualquer perspectiva que aponte para um futuro histórico diferente do presente (o que torna o título da exposição involuntariamente irônico). O pós-moderno simplesmente constata que a História acabou, que as grandes narrativas perderam a validade, e que só nos resta recombinar antigos vocabulários e gramáticas indefinidamente, tendo como pano de fundo o hiperconsumo neoliberal globalizado. A arte virou recapitulação associada a estratégias de marketing; em sua lenta e prolongada agonia, ela vive à base de aparelhos, ou melhor: o que vive é o seu simulacro, alimentado pelas redes de produção e consumo das quais se tornou refém.

O impasse pós-moderno fica explicitado no texto de apresentação dos curadores da exposição (texto que também é, por si só, um rearranjo de idéias convencionais, recorrentes em catálogos há 30 anos): "Pode-se dizer que não há um futuro único, mas infinitos. Tantos quanto obras de arte". À revista Veja, o curador Agnaldo Farias "conceituou": "Futuro do Presente parte da constatação de que todo trabalho do artista é uma afirmação, um caminho". Maneira tipicamente pós-moderna de não dizer coisa nenhuma. O pior é que nove de cada dez sites que citam a exposição simplesmente transcrevem o texto do release. Nos jornais e revistas impressos, a situação não é muito diferente: o papel da imprensa nas artes e na cultura em geral passou a ser o da divulgação pura e simples.

Ora, enxergar na variedade de recombinações de material e idéias velhas uma pluralidade criativa é não entender o que está acontecendo no mundo da arte. O que existe é uma pluralidade de repetições, releituras etc Futuro do presente reúne obras de 17 artistas brasileiros de diferentes gerações, entre eles os consagrados Cildo Meireles e Nelson Leirner. A obra de Leirner é uma banca de jornaleiro com exemplares do Jornal do Não Artista, que ele criou há mais de 30 anos para estimular o público a produzir suas próprias obras de arte. A de Meireles, Elemento Desaparecendo, Elemento Desaparecido, consiste de picolés de gelo que saem de um freezer na exposição em carrinhos de sorvete e são vendidos na rua a 25 centavos cada um (o artista espera vender 125 mil picolés até o fim da exposição). Já Paulo Bruscky sobrepõe a um eletroencefalograma que fez na década de 70 imagens da sua atividade cerebral hoje, em cores... Será uma alusão irônica à falta de atividade cerebral na arte cntemporânea?


Como cantava Cazuza, "eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades, o tempo não pára". Não pára, mas na arte passou a andar para trás.

Serviço:
Futuro do presente
Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149.
Terça a sexta, 10h às 21h; sábado, domingo e feriados, 10h às 19h. Grátis. Até 10 de fevereiro de 2008.

1 comment:

Nelson Clarimundo Junior said...

Blz, amigo gostei muito de sua pagina e bem, trabalhada e objetiva, gostei!