Monday, December 17, 2007

Pluralismo singular


“Tentei incorporar à minha atividade como crítico lições que aprendi com a filosofia: escrever com clareza, concisão e coerência. Muito da crítica de arte não passava (e ainda não passa) de um amontoado de jargões e idéias vagas” (Arthur C. Danto)

“Talvez o que mais ouça tolices seja um quadro de museu!” (E. e J. de Goncourt)

Arthur C. Danto fez carreira acadêmica como filósofo (escreveu um livro interessante sobre Sartre, por exemplo, já lançado no Brasil), e ele mesmo conta que enveredeou pela crítica de arte por acaso, em 1984, quando foi convidado a assinar uma coluna na revista The Nation. (Curiosamente, no ano anterior, ele tinha escrito o ensaio em que inaugurava sua reflexão sobre o fim da arte). Mais ou menos na mesma época, outro crítico, Hans Belting, publicou o ensaio O fim da História da arte?, em que desenvolve idéias parecidas, mas chega a conclusões diferentes. Danto procura fazer um diagnóstico mais imparcial da situação atual da arte, enquanto Belting endossa as conseqüências do seu “fim”. Para os dois, o que se esgotou não foi a arte em si, mas um tipo de pensamento sobre a arte, que já não daria conta da produção atual, isto é, pós década de 60.

Considerados figuras de proa na reflexão sobre a arte contemporânea, Danto e Belting são pensadores sérios, cuja leitura faria bem a muitos praticantes da arte “Caninha 51”. Há quem diga que eles chegaram no Brasil com atraso, e que já existem outros debates em curso na Europa e nos Estados Unidos, o que é verdade. Mas mesmo assim eles estão muito adiante da mentalidade que prevalece no Brasil, onde discutir a idéia do fim da arte é uma heresia. Por outro lado, o que eles escrevem não deve ser recebido como as sagradas escrituras: seus ensaios só serão úteis se servirem a um debate inteligente e livre de preconceitos. Em outro momento vou resenhar livro de Belting; por ora vou desenvolver a análise das idéias de Danto iniciada dois posts atrás.

Recapitulando, Danto resume a história da arte em três períodos. O primeiro, gigantesco, vai desde os primórdios, na Grécia antiga, até os artistas acadêmicos franceses do século XIX: a questão ali era a representação do mundo tal como ele se apresentava aos nossos olhos. O segundo período correspondeu ao Modernismo, que colocou em evidência os próprios mecanismos da representação e ampliou o papel e os limites da arte; abandonou-se a pretensão ilusionista na pintura, por exemplo, com as pinceladas se tornando visíveis, e a cor passando a denotar mais expressão que autenticidade. Isso culminaria na arte abstrata e nos diversos movimentos de vanguarda dos anos 60 (Pop Art, Minimalismo, Arte Conceitual etc).

Quando os valores do Modernismo deixaram de se aplicar à arte que se estava produzindo, começou o terceiro período, “pós-histórico”, marcado pelo pluralismo e pala liberdade absoluta do artista. Fim da progressão linear, fim dos movimentos hegemônicos, fim, num certo sentido, das próprias teorias da arte. Por outro lado, predomínio de uma "estética do sentido" em detrimento de uma "estética da forma".

Danto teve seu primeiro insight sobre o fim da arte em 1964, quando viu uma exposição de Andy Warhol em Nova York. "Eu pensei: se isso é possível [uma caixa de sabão em pó, Brillo Box, ser vista como arte], qualquer coisa é possível”. Na década de 70, ele sistematizou suas idéias, e de lá para cá vem publicando livros em que combina a crítica de artistas contemporâneos com reflexões filosóficas sobre este período pós-histórico da arte. Os últimos foram The Madonna of the future e Unnatural wonders: essays from the gap between art and life.

São textos sempre inteligentes e intelectualmente estimulantes, mas que partem de uma premissa que a realidade do mundo da arte vem desmentindo: Danto afirma que vivemos numa época de pluralismo, mas numa entrevista recente ele próprio declarou o seguinte: “Hoje, grande parte da arte é conceitual”. Ora, este é um ponto fundamental do debate: adota-se um discurso do pluralismo para justificar uma série de coisas, mas o que se vê na prática é um predomínio absoluto da arte de matriz conceitual. Nesse caso se incluem, naturalmente, as quatro obras que deram início a toda esta polêmica sobre arte contemporânea: as maçãs, a paçoca, a orelha e o cachorro. Que pluralismo é esse, em que uma vertente é quase homogênea?

Mais uma vez, não se trata de negar a História, nem de negar valor a toda arte conceitual. Meu problema em relação às quatro obras citadas não é a resistência ao novo, mas a resistência ao velho: elas usam uma gramática e um vocabulário de 40 anos atrás. A "transfiguração do banal", isto é, apresentar objetos comuns como arte, é um procedimento que já foi usado até a exaustão, será que ainda pensam que isso é novidade? Pior: as obras que insistem nisso hoje não discutem nenhuma das questões urgentes enfrentadas pela sociedade contemporânea, mas se encerram sobre si mesmas, segundo modelos ultrapassados, num sinal de evidente esterilidade criativa. Ora, a valorização desse tipo de obra no sistema da arte não é casual: para esse sistema, o que importa é fazer o mercado girar: a obra e o artista se reduzem a meros pretextos para que a engrenagem não pare de funcionar, num mercado globalizado no qual, cada vez mais, os mesmos valores artísticos são impostos e compartilhados num nível planetário.

Não é à toa que a idéia do "fim da arte", intelectualmente tão atraente, é mais ou menos contemporânea da idéia do "fim da História", lançada por Francis Fukuyama, funcionário do Departamento de Estado americano. No livro O fim da História e o último homem, o triunfo do liberalismo capitalista foi apresentado como o encerramento da luta imemorial por uma sociedade mais justa e estável. Ou seja, o fim da História nada mais seria que a interrupção da busca histórica por um mundo melhor. Na arte, é a mesma coisa: o sistema neoliberal está satisfeito com a circulação permanente de modelos velhos em novas roupagens, que faz funcionar o mercado de compra e venda de obras e de estrelas.

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