Sunday, December 02, 2007

Por que gosto de Yves Klein


Agora eu pergunto. Será que essa gente toda que está enxergando no vazio uma grande atitude estética e conceitual [ver post abaixo] esqueceu que, em 1958, portanto 50 anos atrás, o artista francês Yves Klein (foto) inaugurou uma exposição chamada Le Vide ("O Vazio"), na galeria Iris Clert, em Paris (aliás elogiada no livro de visitas por Albert Camus)?

Foi por esta e outras obras que Yves Klein, que raramente é citado no Brasil, teve uma importância histórica fundamental. Antes mesmo de a expressão "arte conceitual" se tornar corrente, ele levou os seus princípios ao paroxismo. Depois dele, de Lucio Fontana (sobre quem ainda vou falar) e de Piero Manzoni (de quem já falei brevemente), qualquer tentativa de insistir nesse caminho é diluição, reciclagem e conformismo. Depois deles, ou se nega de vez o objeto artístico e se decreta a morte da arte, ou se parte para outra investigação, em novas bases, e que tenham alguma conexão com o mundo em que vivemos ou o modo como vivemos hoje.

Nos sete anos de sua curta carreira (já que ele morreu muito jovem, aos 34 anos, em 1962), Yves Klein disse tudo o que havia de relevante sobre a desmaterialização da arte, com esculturas feitas de fogo, luz e ar, até chegar à produção de espaços abertos de criação artística puramente virtuais. Aliás, tocou também em questões delicadas sobre as regras do mercado da arte, ao vender telas monocromáticas idênticas por preços absurdamente diferentes.

Klein voltaria ao tema do vazio em 1960, com a obra Leap into the Void: Man in Space! The Painter of Space Throws Himself into the Void!, uma fotomontagem em que ele aparece se atirando no espaço vazio, rompendo todos os limites espaciais.



Aí vem um pessoal, 50 anos depois, invocar o vazio como um valor esteticamente relevante e como justificativa para o fracasso da próxima Bienal? Ora, isso só torna evidente que a arte contemporânea está patinando. Não, provavelmente, por falta de artistas de valor, mas porque o sistema da arte instalado no poder, como qualquer sistema, tem como prioridade a auto-preservação. É por isso que qualquer análise que coloque em questão a sua lógica interna é rechaçada com ódio e intolerância.

1 comment:

Unknown said...

Caro Luciano Trigo,

Gostei tanto deste espaço, que, de quando em vez, passarei por aqui para dar um palpitezinho caseiro, de leigo, de diletante. Creio que a arte tem muito em comum com o esporte. Não esse que praticamos para perder uns quilinhos, ou para adiar, se não a morte, ao menos a sua idéia. Refiro-me aos esportes que assistimos - jogos de vôlei, de futebol, competições de ginástica. Por que uma ginasta de dezesseis anos, às vezes, no comove? Porque ela representa um limite humano. De um certo modo, ela nos esmaga - a nós, que mal conseguimos fazer quatro ou cinco ascenções desajeitadas numa barra. Mas, nessa comparação, ela de certa forma nos engrandece como seres humanos. Disse que ela nos põe diante de um limite, mas errei. Ela nos mostra a capacidade de ir um pouquinho além daquilo que julgávamos quase inimaginável para um ser humano. Já ouviu Orlando Silva cantando "Sertaneja"? Pois, olhe, se não ouviu, ouça. Há um trecho em que, após fazer uma nota escorregar deliciosamente até o silêncio, ele arremata - "vá ouvir os passarinhos, que cantam mais do que eu". Pronto. Nos emocionamos. Sabe por quê? Porque nenhum passarinho é capaz de cantar tão bem. Naquele momento, sentimos que um limite humano foi atingido, e comemoramos com emoção.
Digo isso porque sinto que essa idéia foi abandonada em boa parte das artes plásticas contemporânea. Fala-se, com freqüência, de maneira depreciativa sobre essa prentenção. Fabricam-se discursos filosoficamente bobos para justificar o abandono dessa dimensão de "artesanato" que toda arte que nos emociona deve ter - a exibição de um talento especial, de uma habilidade, de uma capacidade quase divina de ultrapassar o meramente humano. Só as artes plásticas resolveram dar as costas a esta dimensão. Grandes cineastas, grandes romancistas, grandes músicos, grandes cantores conservam esse respeito pelo virtuosismo sem o qual a arte transforma-se em qualquer outra coisa, deixando atrás de si um lugar vazio.
Muitas coisas feitas no século XX terão que ser reavaliadas. Muito joio terá que ser separado de muito trigo. Mondrian foi só um gesto. Pollock foi outro. Sintomas de uma época, reações. Ouça uma boa soprano cantando uma ária da Traviata, e você não terá dúvidas - aquilo é arte. Ou vá a uma exposição do Juarez Machado e não se envergonhe de dizer - é lindo, eu não sei como alguém é capaz de fazer isso. São coisas simples essas que eu disse, e sei que já foram ditas muitas vezes. Mas não custa repeti-las, numa época que insiste em não se lembrar delas.