Sunday, December 23, 2007

Um livro que é a cara do Rio (?)


Diz muito sobre nós, brasileiros, a badalação em torno do livro Rio, Cidade Maravilhosa, do fotógrafo americano Terry Richardson, conhecido como o "rei da pornografia fashion". Estrelas de variada grandeza se dispuseram a aparecer ali, em meio a imagens de extremo mau gosto, endossando o trabalho de um artista que fez sua fama explorando a vulgaridade - e reforçando internacionalmente estereótipos sobre a cidade (lugar de contrastes, paraíso do sexo etc). Podem inventar o rótulo que quiser para atribuir um "coeficiente de arte" ao trabalho de Richardson (trash, kitsch etc), mas é difícil acreditar que algumas pessoas ali topassem fazer fotos assim se não houvesse o fator deslumbramento diante do projeto de um "artista badalado" encomendado por uma griffe sofisticada.

Rio, Cidade Maravilhosa (que título original, não?) também traz paisagens da cidade, gente feia e anônima e imagens-clichês sobre catadores de rua e as inevitáveis diferenças sociais (piscinão de Ramos versus Posto Nove, por exemplo, se bem que os dois estão cada vez mais parecidos) etc. Tem Maracanã e tem Favela da Rocinha. Tem até um grupo de presidiárias usando jeans da Diesel (sabem quando elas vão ter uma calça Diesel na vida? Pois é. Enquanto isso a marca explora internacionalmente a imagem delas: cada cópia da fotografia era vendida numa exposição de Richardson em Hong Kong por 5 mil dólares). Mas essas fotos não têm a menor importância, é claro: estão ali só para dar um toque supostamente artístico-documental-sociológico ao livro, que tem um vídeo promocional no Youtube:



Entenderam? É o retrato do hedonismo carioca em sua forma mais cretina e lugar-comum, ao som de samba, funk e bossa nova, bem ao gosto dos gringos que andam de mãos dadas com garotas de programa no calçadão de Copacabana. No final, o fotógrafo e sua equipe dão uma paradinha no trabalho exaustivo para dar um mergulhinho na praia, que ninguém é de ferro.

Uma das pesonagens do livro, a atriz Thaila Ayala, caiu em si quando viu sua foto (sem blusa, mordendo os lábios de um produtor de elenco) na primeira página de um jornal popular. Através de seu assessor e empresário, se declarou "profundamente arrependida": "Não fui ao lançamento porque tenho vergonha de fazer parte desse livro", ela declarou. Mas Thaila foi exceção: a maioria parece ter adorado o resultado. Luiza Brunet, por exemplo, que aparece em nu frontal na página ao lado da filha Yasmin, também em nu frontal, filosofou: “Terry é um cara polêmico. Suas fotos não passam em branco. Ele tem um estilo agressivo de fotografar. Seu trabalho é outro nível, é arte. Não foi uma foto estilo Playboy, foi uma foto feita para um livro de arte. Terry tem um diferencial”. Houve, ainda, como sempre, declarações do tipo "Não gosto de julgar, cada um faz o que quer" (que também dizem muito sobre nós).

O próprio fotógrafo - que, aliás, míope como uma toupeira, só usa câmeras de foco automático em seu trabalho - aparece nu em pelo menos três fotos. Numa delas ele posa sorridente segurando um exemplar da Folha de S.Paulo onde se lê: "Terry o Terrível". Richardson declarou que este é seu melhor livro. Uma pesquisa de imagens no Google basta para quem tiver a curiosidade de conhecer a qualidade de seus outros trabalhos. Mas tirem as crianças da frente do computador. Ou então visitem o site oficial do fotógrafo (www.terryrichardson.com), onde uma lojinha virtual vende camisetas e produtos de gosto duvidoso. Um link é oferecido para quem quiser posar para Terry, com a mensagem:

Hello , if you are male or female and interested in posing Topless or Nude for Terry Richardson please contact us by Email. Please include your contact information , Phone number name and a photo if possible. ( a small jpeg, it does not have to be nude ). You must be at least 18 years old and be able to provide a state issued ID at the time of the photo shoot.
Thanks.
model@terryrichardson.com


Para quem ficou animado(a): no ano que vem Richardson volta ao Brasil, desta vez para fazer um livro sobre São Paulo.

2 comments:

Catharina Wrede said...

Luciano,
tive a oportunidade (seria essa a palvra certa?) de dar uma olhada no livro do Terry Richardson e fiquei abismada. O que é aquilo? Uma série de fotos da mais vasta burguesia carioca mostrando-se em peitos e bundas sem propósito, mescladas com tristes ícones clichês de uma glamurização da pobreza e a tão fashion favela carioca clicadas por um fotógrafo que, diga-se de passagem, não sabe usar o foco e tampouco se importa com o enquadramento e luz, é considerado ARTE? Por que choca? Choca pelo mau gosto e pela falta de contexto...pelo abuso dos clichês, pela falta de poesia e pela pobreza das imagens...o Rio de Terry é deprimente. E mais deprimente são os super famosos com suas super bundas, peitos e paus hipócritas.
Adorei seu texto.

ps: também tenho um blog.

Catharina Wrede said...

Luciano,
tive a oportunidade (seria essa a palavra?) de ver o livro do Terry Richardson e fiquei abismada. O que é aquilo? Uma série de fotos da mais vasta burguesia mostrando seu mais discreto charme em peitos e bundas, mescladas com tristes clichês da pobreza fashion do Rio -afinal, a favela é fashion!E enfia uma Diesel nelas!- Diria Richardson. Isso é arte? Por que todos estão pelados? Que coisa mais datada, démodé, old fashion, atradasa! Isso não diz nada. O que choca é a falta de sentido e contexto do livro e as fotos vazias. O Rio de Terry é deprimente. E mais deprimente ainda são os pseudo-famosos com suas pseudo-bundas, peitos e paus.
Adorei seu texto.

ps: também tenho um blog!