Sunday, January 13, 2008

A arte contemporânea segundo Arnaldo Jabor

Achei este texto de Arnaldo Jabor. É de novembro de 2003, mas continua atual. Infelizmente Jabor não voltou a falar sobre arte, provavelmente por causa da impermeabilidade do meio a qualquer crítica.

Há qualquer coisa de podre na arte contemporânea. Rosnem de ódio, netinhos de Duchamp, gritem “militantes imaginários”, uivem instaladores de nada, mas há uma terrível ausência, uma “hiância”, como dizia Mallarmé, um grande vazio em museus e bienais. Há uma ausência que danifica a obra de arte: a esperança. Isso mesmo: esperança. Mesmo nas obras de encomenda de duques e cardeais do século XVI, feitas por empregados que podiam ir até em cana se não satisfizessem os poderosos, havia um fervor religioso ou meramente fabril, havia um desejo de retratar uma mudança, uma fé na beleza, nos ventos novos que humanizavam a figura, que criavam a “perspectiva”, uma idéia de tempo, de progresso, longe da platitude medieval. A genialidade de artistas como Tintoretto não buscava mais a representação estática de uma imobilidade submissa, mas a captação de um momento de agonia ou de triunfo, de “esperança”.

É também deslumbrante ver o entusiasmo da nova arte que se desenhava no início do século XX, a arte como a militância por uma beleza construtiva, o olho humano sendo enriquecido, na “esperança” de que a modernidade se aperfeiçoasse, unida às grandes utopias do século XX, como o socialismo e até mesmo o “fascismozinho” do futurismo italiano. Os artistas modernos queriam repensar o mundo nas suas formas, mesmo quando um conceito fosse deprimido, havia na forma e na atitude um desejo visível de mudança para melhor.

Fui ver a Bienal de Veneza. A sensação dominante é a de um vasto depósito de lixo ou de ruínas ou de despejos da civilização. Os pavilhões de todos os países repetem os mesmos códigos e repertórios: terra arrasada, materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma busca deliberada da feiúra, uma recusa de qualquer poiesis , uma clara vergonha de ser “arte”, vergonha de provocar sentimentos de prazer. A fruição poética é impedida, por ser “burguesa”, como se o prazer fosse uma coisa reacionária, “alienada”, ignorando o “mal do mundo”, que tem de ser esfregado na cara do espectador para que ele não esqueça o horror social e político que nos assola. O problema é que esse desejo de denúncia não deixa um espaço para algo que possa viver, renascer. É como se a própria arte fosse uma babaquice a ser evitada, na linha direta da herança mal-entendida e descontextualizada de Duchamp, o estraga-prazeres dos anos 20.

A Bienal de Veneza (furada, aqui e ali, por alguns talentos individuais, claro) virou um parque temático de deprimidos, um hospital de paranóicos, um muro de lamentações inúteis. Não adianta mais “chocar” ninguém, pois nada é mais chocante que as chuvas de bombas, a miséria global e a estupidez universal do inferno de hoje. O absurdismo do pós-guerra, nos anos 50, a arte pop, todo o desespero crítico ou paródico tinham um claro alvo construtivo em sua militância. Havia esperança na angústia. Hoje, sobrou apenas a psicose como bandeira, a melancolia como “denúncia” de uma vida sem solução.

Nunca esqueço da frase de Stravinsky “A obra de arte deve ser exaltante ”. Não se trata de uma cegueira complacente com o erro, mas uma ação exaltante da vida, da existência humana, exaltante de algo que está se perdendo. Muitos artistas se acham “militantes”, mas estão abrindo mão da reflexão na arte para o eixo do mal capitalista. Críticos e curadores seguem de cabeça baixa, sem coragem de denunciar oportunismos, por medo de serem chamados de caretas ou reacionários. Será que o “novo” não pode ser um “belo” que denuncie, com sua luz, sua esperança, a injusta vida?

2 comments:

horizontecircular said...

CARA
ADOREI SEU BLOG, FARÁ PARTE DE MINHAS LEITURAS , MUITO BOM MESMO.
CONTINUE, ARISTIDES
TERESINA PIAUI

doris said...

Bom, comentário sobre o Jabor, do qual em geral não gosto, mas esse texto me pareceu bastante lúcido... esse processo de evitar a fruição estética, o prazer, a poesia, também já não está em curso na literatura?