Monday, January 07, 2008

A Corrida Maluca

Reconhecido como referência internacional em cotações de artistas plásticos contempórâneos, o site Artprice.com divulgou recentemente um ranking com os 500 artistas mais valorizados no mercado internacional em 2006/2007. Com informações detalhadas, o ranking se baseia em valores acumulados em leilões em todo o mundo.

Dois brasileiros aparecem na lista: Vik Muniz na posição 87 (total de 1.033.574 euros, sendo que a peça de valor mais alto foi arrematada por 103.292 euros) e Adriana Varejão, na posição 406 (total de 120.897 euros, "preço de martelo" mais alto: 66.861 euros).

Também chamam a atenção, entre os Top Ten: a quantidade de artistas chineses, reflexo da saúde da economia do país; a valorização acentuada de dois artistas mortos, Basquiat (que teria hoje 46 anos) e Keith Haring (que teria 48); e a presença de um fotógrafo, Richard Prince.

Seguem os 10 primeiros da lista, com o valor total negociado no período e imagens de obras respresentativas. Há mudanças interesantes em relação à lista postada anteriormente.

1.BASQUIAT Jean-Michel (1960-1988) € 46 833 564

2.HIRST Damien (1965) € 37 536 421

3.ZHANG Xiaogang (1958) € 36 136 819

4.DOIG Peter (1959) € 20 040 811

5.YUE Minjun (1962) € 14 897 861

6.PRINCE Richard (1949) € 14 287 219

7.ZENG Fanzhi (1964) € 11 751 576

8.HARING Keith (1958-1990) € 11 003 802

9.KOONS Jeff (1955) € 9 315 111

10.WOOL Christopher (1955) € 8 452 305

São cifras impressionantes. Mas um passeio virtual pelos sites internacionais especializados em arte (o próprio Artprice, Artforum, Artmarket etc) sugere que existem motivos para apreensão. Em quase todos, em meio a notícias de novos recordes em leilões, especialistas alertam que a arte contemporânea pode estar no fim de uma bolha especulativa, que eleva irracionalmente as cotações.

Se em períodos normais obras de arte são negociadas com base no desempenho passado, durante as bolhas é a expectativa do futuro que determina os preços. Isso torna ainda mais irrelevantes qualquer tipo de expertise ou atividade crítica.
Algo parecido aconteceu com a bolha da Internet, alguns anos atrás. Fortunas foram criadas sem que ninguém entendesse muito bem o que estava sendo negociado. Quando a febre passou, muita gente amargou prejuízos pesados.

A própria arte contemporânea conheceu uma euforia parecida nos anos 80, quando a entrada em cena de colecionadores japoneses empurrou os preços lá para cima. No começo dos anos 90 veio a crise: mesmo as maiores estrelas, como Julian Schnabel,
Sandro Chia, Clyfford Still e Enzo Cucchi simplesmente pararam de vender, galerias fecharam as portas em Nova York.

Aliás, quem pegar uma revista de arte da época provavelmente não reconhecerá muitos artistas então apresentados como gênios da raça. O mesmo acontecerá com os artistas de hoje, daqui a 15 ou 20 anos – e no entanto eles são mais valorizados hoje que mestres da arte moderna, como se já estivessem inscrito seu nome na História da Arte. (Ops! Esqueci que a História da Arte acabou...)

Embora seja difícil determinar a real volatilidade do mercado, o fato de o valor da arte não poder ser medido objetivamente, ou seja, de assentar em critérios intangíveis, não torna o cenário mais favorável. Há muito de arbitrário na fixação de um valor pra uma obra de arte contemporânea, que ainda não passou pela prova do tempo, e mais arbitrária ainda é a alta contínua das cotações.

No fundo, a cotação de um artista sobe porque sobe, e porque um número razoável de agentes do mercado referenda isso, ou seja, o consenso transforma algo aleatório em verdadeiro. E, na medida em que os papéis do artista, do galerista, do curador, do diretor de museu se confundem e se acumulam cada vez mais, ninguém tem interesse em questionar nada, já que estão todos no mesmo barco: servir ao interesse de um é servir aos interesses de todos.

É claro que isso não faz diferença para quem compra arte por prazer, mas este não é o caso dos executivos do mercado financeiro americano que estão inflacionando, com "dinheiro novo", as cotações de artistas cada vez mais jovens. Por exemplo, no ano passado a Frieze Art Fair promoveu dois artistas novos da chamada Escola de Leipzig, que tinham quadros avaliados em 4 mil dólares, Tim Eitel e Matthias Weischer; em seguida, foram pela primeira vez a leilão, na Christie's, e tiveram obras vendidas por, respetivamente, 212 mil e 370 mil dólares.



Agora se comenta que virá uma onda de novos artistas poloneses e indianos, o que gera novos movimentos especulativos. A internacionalização do mercado, com a absorção de artistas de países emergentes da América Latina, da Ásia e do Leste Europeu, mantém sempre um banco de reservas para o sistema da arte. Enquanto isso, nos Estados Unidos, estudantes de escolas de arte já são valorizados antes mesmo daformatura: como as empresas de advocacia que procuram oe melhores alunos dos cursos de Direito, marchands e galeristas caçam as potenciais novas estrelas - segundo critérios ligados às tendências do mercado, e não a considerações estéticas.

Mas, segundo especialistas, obras assim podem sofrer perdas drástica de liquidez de uma ora para outra. Isso porque tem cada vez mais gente comprando arte como investimento e cada vez menos gente comprando arte como arte. Era este último grupo que sustentava o mercado de arte tradicional: os colecionadores apreciavam tanto suas aquisições que não queriam se desfazer delas, o que elevava os preços. Comprava-se para guardar, não para vender. No mercado altamente especulativo de hoje, ao contrário, compra-se para vender, não para guardar.

Compra-se, também, para se obter status e reconhecimento social: a arte funciona então como símbolo de sofisticação, dá credibilidade a quem a coleciona. As qualidades intrínsecas da obra não têm qualquer importância, até porque mesmo aqueles artistas com vitalidade estética são rapidamente assimilados e enquadrados pelo contexto social e institucional que elas pretendiam criticar ou deslocar. Banksy, que aparentemente escapava dessa dinâmica, já está confortavelmnente instalado entre os cem artistas mais valorizados do mundo.

Mesmo que a bolha estoure, a verdadeira arte, aquela que busca a permanência e não as luzes passageiras da mídia, continuará valorizando, é claro, ainda que num ritmo nada sensacional. Já a arte de ocasião, produzida apenas para fazer o sistema girar e gerar lucros artificialmente, está condenada à lata de lixo da História. E ninguém lamentará o declínio dessa turma, porque, afinal de contas, não se tratava de arte, mas de dinheiro.

2 comments:

XTO said...

Rá, e o movimento dos grafiteiros valorizados? E as performances? O mercado vai abraçar a documentação da obra. Então terão que inventar um valor pra isso.

Sergio Leo said...

Temo que a arte séria, não mercadológica, também siga a onda, Trigo, o que torna cada vez mais difícil o esforço de quem quer começar uma coleção. Vi um artigo em algum lugar em que se comparavam os compradores de arte de cada período, e falava-se como o grande número de yuppies hoje no mercado trouxe para as galerias um comportamento visto nas bolsas, dos caras que têm prazer em investir em junk bonds para fazê-los valorizar e revender a um bom preço lá na frente, ganhando fama de descobridor de barbadas...