Sunday, January 06, 2008

Momentos da arte brasileira

Como se sabe, a História da Arte acabou, mais ou menos duas décadas atrás, por decreto de teóricos do pós-modernismo como Hans Belting e Arthur Danto (só recentemente traduzidos no Brasil). Belting chega a classificar toda a História da Arte já escrita como um "equívoco ocidental", que tratou o desenvolvimento de algumas correntes da produção artística de uma determinada cultura como uma narrativa única e universal.

Na Ciência Política, ninguém leva mais a sério, nem mesmo nos Estados Unidos, um decreto parecido, feito por Francis Fukuyama no livro O fim da História e o último homem, que os fatos da História recente se encarregaram de desmentir. Mas nas artes plásticas essa tese continua vigorando, talvez por ser conveniente ao sistema da arte, globalizado e neoliberalizado, deixar as coisas como estão, com um pluralismo de superfície mascarando a petrificação da produção artística.

Mesmo assim, quem quiser entender as raízes do que se passa na arte hoje tem que mergulhar nos livros. Tenho falado aqui principalmente de artistas estrangeiros, e como vários leitores reclamaram da falta dos brazucas vou aproveitar o gancho para relembrar, sem qualquer pretensão autoral, alguns aspectos relevantes do desenvolvimento da arte brasileira ao longo do século XX, começando pelo Modernismo, com ênfase nas relação entre a arte e o Estado.

Se, na Europa, o Modernismo nas artes visuais foi o reflexo imediato das mudanças materiais e simbólicas impostas à sociedade pelo desenvolvimento do capitalismo industrial – mudanças que alteravam as próprias percepções do tempo e do espaço e criavam um novo público, burguês, para as artes plásticas – no Brasil a modernidade artística não foi uma conseqüência mecânica de alterações sócio-econômicas, mas do próprio contato de artistas nacionais com as transformações radicais da arte européia, provocando uma vigorosa corrente de renovação.

Vale lembrar que aqueles jovens artistas eram geralmente filhos da elite rural exportadora de café que mandava no Brasil. Apreciadora da produção artística acadêmica e da Belle Époque parisiense, essa elite enviava seus filhos à Europa para estudar. De volta ao país, eles tentaram ajustar os ponteiros da arte nacional com as novas tendências artísticas – e, ao mesmo tempo, buscar uma face brasileira na arte. Convergiam assim, nas obras de Anita Malfatti, Victor Brecheret, Tarsila do Amaral, Vicente do Rego Monteiro e Ismael Nery, elementos de variados movimentos de vanguarda - Expressionismo, Cubismo, Futurismo, Surrealismo – assimilados de forma fragmentária e “antropofágica” num processo que teve seu grande momento na Semana de 22.

Mas existiram diferenças estruturais entre o desenvolvimento do Modernismo europeu, a partir do final do século XIX, e o Modernismo brasileiro, nas primeiras décadas do século XX. Rejeitados pelo sistema acadêmico, os pintores Impressionistas criaram por conta própria novos espaços, novas alianças, novas instituições (como o Salão dos Independentes), nos quais passaram a operar, fora do circuito estabelecido. No Brasil foi diferente: os artistas tentaram ocupar as velhas instituições e transformá-las de dentro, o que explica em parte a nossa mania de achar que a vida cultural tem que passar pela mediação oficial, sem a qual nada se consegue fazer.

Mario de Andrade (na imagem, retratado por Lasar Segall), por exemplo, em plena ditadura Vargas, contribuiu de forma decisiva para a ampliação da presença do Estado na cultura. Existem raízes mais longínquas, é claro: D. Pedro II foi um grande mecenas da produção artística e literária no Brasil. O bolsinho do Imperador patrocinou literatos e artistas por acreditar, com razão, que uma identidade cultural ajudaria a consolidar a unidade territorial do império. Daí surgiu produção artística que realçou as potencialidades naturais do país, o índio como habitante autêntico e temas históricos nacionais.

Contraditoriamente, o sistema de ensino das artes continuava privilegiando o academicismo, ou seja, a consolidação do Modernismo não implicou o desmantelamento da Academia, como aconteceu na França. Ao contrário, aqui modernos e acadêmicos coexistiram, o que às vezes resultava em conflitos sérios, como no caso da indignação provocada por Lucio Costa quando, ao assumir a direção da Escola Nacional de Belas-Artes, convidou modernistas para a composição do júri do Salão Nacional: a solução, tipicamente brasileira, foi dividir o Salão em duas seções, uma acadêmica e outra moderna. [Continua]

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