Saturday, April 05, 2008

Os moedeiros falsos


"A arte contemporânea é exatamente o que a vida é hoje em dia, assolada por perguntas como 'Fará sucesso?', 'Custará caro?', 'Aparecerá na televisão?'"

(Matthew Collings, crítico inglês)


A arte contemporânea cultiva uma imagem pluralista e eclética, mas por mais diversificada que se apresente, a sua produção tem uma essência comum, que se manifesta de diversas maneiras:

1) no discurso do "povo da arte", que a tudo abriga: as falas dos curadores, críticos e professores que participam de debates, mesas-redondas, seminários etc, sempre vagas e pouco conclusivas, têm a função de, justamente, dar chancela teórica às manifestações artísticas mais disparatadas, inconsistentes ou triviais: a própria inconsistência, aliás, é interpretada como sinal de estéticas da fragmentação ou da precariedade, ou coisa parecida. Quando se espreme esse discurso, não sobra quase nada relevante ou original; sua importância é ritual e simbólica, ao reforçar posições e relações de poder.

2) na institucionalização generalizada: o artista contemporâneo se julga muito contestador e radical, mas não tem o menor pudor em viajar à Europa à custa do Governo, por exemplo, como um artista oficial.

3) na aversão ao novo: com raras exceções, as manifestações artísticas contemporâneas são recombinações pós-modernas de linguagens e questões exauridas há mais ou menos 30 anos. Quem compara de boa fé um livro dos anos 60 ou 70 sobre a produção da época - por exemplo, Total Art, de Adrian Henri, ou Art without Boundaries, de Gerald Wood, - com livros sobre a produção dos anos 80 para cá - por exemplo, Modern Contemporary, de Kirk Varnedoe - tem dificuldade em apontar as diferenças entre as propostas artísticas (salvo quando há o recurso a novas tecnologias que não estavam à disposição 30 anos atrás, mas aplicadas a propostas igualmente velhas). Mas grave ainda: a produção dos anos 80 e 90 parece mais datada e esquecida (e politicamente correta) que a dos anos 60 e 70.

E não é difícil entender por quê. Os gestos e movimentos daquelas décadas, que corresponderam às últimas vanguardas modernas, eram efetivamente novos, inaugurais, experimentais: expandiam o campo artístico, estabeleciam novos diálogos com o mundo, com o indivíduo, com a política etc. O que aconteceu desde então foi a diluição ad infinitum dessas propostas, domesticadas pelo mercado e pelas instituições, como já expus à exaustão. Dominada pos falsos moedeiros, a arte perdeu a ambição, contentando-se em ser reduzida a uma esfera da cultura semelhante à da moda ou a do show business: pode movimentar grandes fortunas, mas é em geral vazia, mistificadora e autocomplacente.

Em outras palavras, essas manifestações constituem hoje o status quo da arte, da mesma forma que a produção acad~emica representava o status quo antes do Impressionismo. Aceitar isso deve ser doloroso para muita gente, mas as instalações, video-artes, performances e, de uma forma geral, os múltiplos desdobramentos da arte conceitual, que continuam sendo vendidos como grandes novidades, representam hoje uma arte conservadora, velha, que ignora a passagem do tempo e se submete docilmente às determinações do mercado e dos mandarins do sistema da arte que, aboletados em posições estratégicas, decidem caprichosamente, ou por critérios tortos, quem pode e quem não pode participar da panela.

Chego assim ao quarto ponto, o mais relevante:

4) a arte contemporânea é unificada, sobretudo, pelo triunfo do conceitualismo, que se manifesta na adoção generalizada e difusa de diversas técnicas e estratégias associadas à arte conceitual histórica. Isso acontece de forma explícita em artistas que usam a linguagem verbal em seus trabalhos (como Jenny Holzer - da ilustração acima, e seus imitadores), ou que brincam de criticar a idéia de originalidade manipulando imagens alheias (aqui a matriz é Sherry Levine), ou que colocam em questão ("colocar em questão" alguma coisa é um excelente pretexto para rigorosamente tudo, na arte; difícil é apresentar respostas convincentes) noções de identidade, gênero, papéis sociais etc.

Assim, por exemplo, o artista inglês Damien Hirst não é exatamente um artista conceitual, segundo crtérios rígidos, mas seguramente ele opera nesse horizonte conceitualista quando afirma, como fez em 2000, respondendo a um crítico que não alcançara a profundidade de sua obra: "Não creio que a mão do artista seja importante, em qualquer nível, porque se está apenas tentando comunicar uma idéia". Ou seja, um horizonte no qual a "idéia" é o fundamental, prevalecendo sobre a execução, a técnica e o artesanato, que podem ser entregues a terceiros - neste aspecto a arte se aproxima da esfera da publicidade, na qual o que conta é a "sacada".

Além disso, vale lembrar que Hirst representa o máximo da integração ao sistema, cada obra sua valendo vários milhões de dólares e sendo exposta nas principais coleções contemporâneas do mundo, enquanto a arte conceitual, enquanto movimento histórico, se opunha radicalmente aos poderes estabelecidos, á mercantilização da arte e até mesmo ao modo como a arte era estudada nas universidades americanas. Ou seja, era um movimento autêntico, que usava entre outros recursos o ceticismo e a ironia. Disso só se preservou hoje a pose de ceticismo e ironia, sem lastro em qualquer contestação real ao poder estabelecido ou ao sistema da arte, como na´frase de Matthew Collings que serve de epígrafe a este texto. Por tudo isso, outro crítico inglês, Paul Wood, está coberto de razão quabndo escreve: "Se o conceitualismo tornou-se de fato o status quo do inflacionado mundo da arte contemporânea, então é certo concluir que ele tem menos em comum com o espírito da arte conceitual histórica do que com a academia moderna, da qual aqueles artistas haviam tomado distãncia". Touché.

4 comments:

Renata de Carvalho said...

Você está se tornando um especialista! Sempre leio seus textos e gosto muito. Espero que a gente se esbarre por aí... e que você esteja com a Valentina! Beijo, Renata

Unknown said...

quero que saiba que seu blog continua ótimo - Rosane Chonchol

Badah said...

Somaria a isso tudo o isolamento do artista. Como que artistas que não transitam, que vivem sempre nos mesmos guetos (porque viajar a cidades cosmopolitas é não sair do mesmo lugar), conversando sempre com as mesmas pessoas, poderão criar algo vivo, que responda ou problematize questões atuais e vivas? A arte está parasilada, congelada no mesmo lugar porque os artistas (e as pessoas das elites correlatas)também estão.

Associação Odisseia said...

Deveriam ver este Artista Português da escola Francesa dos Anos 80.
Joaquim António Gonçalves Borregana dito Kim Prisu.
Nasceu em 1962, em Portugal, na Aldeia da Dona, Distrito da Guarda.



Nos anos 80, em Paris, Kim Prisu e Quim P. (Joaquim Pereira) dão origem ao conceito Nuklé-Art: «adquirir os argumentos e as conjunturas da civilização das imagens que agem como encanto nas multidões, desviadas dos médias, das artes da banda desenhada, do cinema, da iconografia popular e religiosa e reinventá-las no seu próprio mundo de sensibilidade e emotividade ou colectivamente em conjuntura com o meio ambiente…»

Nuklé-Art actua num conceito de arte total, em liberdade de criação.

Em 1984, K. Prisu configura com Kriki (Cristian Vallée) e Paul Etherno o grupo “NUKLÉ ART”. O “Nuklé-Art” numa vaga puériliste: “arte no sentido mais simples”, são levados pelas correntes da “Figuração livre, Medias Peintre, Computer Art”, das quais a crítica Francesa diz que são pioneiros.

Artista plástico de “atelier”, Kim Prisu e os “Nuklé-Art”, para tornarem conhecida a sua Arte, começaram por instalar obras na rua, no metro… que se assimilaram com as dos grafiteiros.

Arte, em lugares oficiais, ou mesmo fora dos locais convencionais, arte para todos.

De 1984 a 1987, “Nuklé-Art” existiu em grupo estruturado em zapping oferecida a uma constante metamorfose.

Em 1986 “Maitre Binoche e Godeau” com o leilão “les jeunes débararquent” levou a geração dos anos 80 para o mercado oficial, facultando a entrada em galerias de arte: “galerie du jour, Agnes B, galeria “Jean Marc Patras, Anne Rouff”, galeria J.P. Christophe na avenida Matignon, galeria Sanguine”…

Realizou exposições pessoais e colectivas onde também estiveram obras do J. M. Basquias, Keith Haring, R. Combas, H. Dirosa, Bazooka, Olívia TV Clavel, os Irmãos Ripoulin, Francky Boy, Speedy Graphito, os VLP, Nuklé-Art, Capitain Caverne, Yvon Taillandier, Placide e Muzo, Frédéric Voisin, Paëlla Chimicos, banlieue banlieue, Jérôme Mesnager, Blek, Marie Roufet ou Gérard Zlotrykamien”.

Em 1990, foi convidado pelo artista plástico Hervé Morlay dito VR e pela galeria “East Side Gallery-GDR-“ de Berlim, para pintar sobre a parede na parte oriental.

Em 1989, Kim Prisou criou o espírito Nuklé-Art. Começa o seu primeiro projecto em Portugal em parceria com A. L. Tony (António Pinheiro Leitão), fazer uma Aldeia Cultural, na Aldeia da Dona, sem limites de tempo. Hoje, podem se ver várias esculturas e mobiliário de sinalética ligadas à memória cultural do sítio onde estão erguidas.

Só em 1994 é que o Kim, por intermédio de um coleccionador Suíço e da galeria de arte “Christophe”, apresenta pela primeira vez o seu trabalho “Clube Arte 50”, em Lisboa.

Em 1996, Kim Prisu regressa a Portugal, recomeça um novo percurso na vida artística e expõe em vários sítios: Guarda, bienal de Coruche, bienal do Avante, Palmela, Setúbal, Alhos Vedros…

Continua no mesmo conceito de arte total com o Mundo dos Inteiros que criou em 2003, conjuntamente com António Xavier e Paulo Proença, Sebastião Maresia, Rui Malo, espinalMedula , com os quais faz poesia performances, pintura e também colaborou com Américo Rodrigues e o teatro Aquilo.

Discorre em “Sons et lumières Vidéomatik no Centre Pompidou” na fibra da inter-planeta.