Thursday, April 24, 2008
Miró segundo João Cabral
O sim contra o sim
(João Cabral de Melo Neto)
Miró sentia a mão direita
demasiado sábia
e que de saber tanto
já não podia inventar nada.
Quis então que desaprendesse
o muito que aprendera,
a fim de reencontrar
a linha ainda fresca da esquerda.
Pois que ela não pôde, ele pôs-se
a desenhar com esta
até que, se operando,
no braço direito ele a enxerta.
A esquerda (se não se é canhoto)
é mão sem habilidade;
reaprende a cada linha,
cada instante, a recomeçar-se.
___
João Cabral de Melo Neto chegou a Barcelona, como diplomata, em 1947 e lá conheceu os pintores e poetas Joan Brossa, Antoni Tàpies, Juan Eduardo Cirlot, Carles Riba etc. Na Espanha, escreveu catálogos para exposições de Tàpies, Ponç e Cuixart assim como um antológico ensaio sobre Joan Miró, com quem manteve uma estreita relação de amizade.
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1 comment:
Podemos escrever muitas coisas sobre Miró, Pollock, Matisse, e até sobre esse farsante que amarra cachorros em galerias. Às vezes, textos capazes de nos fazer olhar para a obra de um modo novo, como esse de João Cabral, e articular melhor nossa admiração pelo quadro. Outras vezes, textos que nos ajudam a articular melhor nossa sensação de estar diante de uma farsa, como o seu artigo e o do Ferreira Gullar.
Para o que a poesia de João Cabral chama a nossa atenção? Antes de mais nada, para um certo DESAFIO que a obra de Miró teria aceitado enfrentar. Um desafio a um só tempo poético e técnico: recuar para aquém de toda a técnica aprendida, "fingir" um ponto zero da técnica (o que já é, por si só, um problema técnico difícil), e a partir daí criar figuras que AINDA PUDESSEM SER RECONHECIDAS COMO GENIAIS. Miró aceita o jogo da complexidade e da exibição descarada de talento.
O problema, na minha opinião, não está em denunciar figuras folclóricas como Habacuc. O problema é entrar nessa zona cinzenta em que se misturam os grandes quadros de Miró e suas gravuras (na minha opinião, muito mais pobres), os grandes quadros de Matisse e obras claramente menores (como o Escargot), a ECLOSÃO de um Mondrian e de um Pollock e a TRADIÇÃO que se formou a partir deles.
Vamos esquecer um pouco o Habacuc. O que você acha da obra da Célia Euvaldo, por exemplo? É AÍ que a coisa pega.
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