Friday, November 23, 2007

Terrorismo estético








Dei a entender, dois posts abaixo, que só recebi mensagens malcriadas de artistas, a respeito de meu artigo publicado na Folha. A bem da verdade, os malcriados foram minoria. Além de inúmeros artistas desconhecidos ou iniciantes que se identificaram com minhas idéias, três, já estabelecidos, me enviaram estimulantes comentários. Qualquer discussão sobre arte, no fundo, é potencialmente interminável, e só tem graça entrar nelas se for para dialogar, não para agredir.

Os três artistas foram Adriana Varejão, Julia Cseko e Antonio Veronese. Este último me enviou uma interessante entrevista que ele deu à Radio France em 2002, depois de ter feito críticas às Bienais do Whitney Museum e de São Paulo, e que transcrevo a seguir (na imagem, uma pintura de Veronese):

Você, quando critica as bienais do Whitney, em Nova York, e de São Paulo, não está negando a esses artistas conceituais o direito de expor seus trabalhos? Isso não é antidemocrático?
Eu não nego a ninguém o direito à exibição. Só acho que essas instalações deveriam estar na Disneyworld e não nos museus. São objetos para o divertimento e a interação, da mesma forma que um boliche ou stand de tiro-ao-alvo.

O que gerou a sua reação encolerizada no Whitney?
Não foi uma reação encolerizada. Foi uma reação natural de quem se sentiu ludibriado tendo que pagar para ter acesso a um amontoado de infantilidades. Os "autores" destes farsismos se trancam no banheiro e riem de todos nós. O que fazem é terrorismo estético. Eles sabem que não têm nenhum valor - eles estão conscientes disso!- mas contam com a cumplicidade de curadores e a covardia da crítica.

Você chama a esses artistas de filhos espúrios de Duchamp. Por quê?
A criação artística é produto de duas experiências: uma histórica e outra pessoal.O artista tem que conhecer a Arte que o antecedeu, mas precisa também da segunda experiência, a pessoal, fruto do trabalho contínuo, do lento avançar naquilo em que trabalha. Cezanne, aos 64 anos, já havia parido o modernismo, mas reclamava que ainda não havia conseguido ir até o fim em sua busca. O caminho é longo e exige paciência e dedicação. Esse pessoal das instalações é culto, conhece a História, mas tenta dar uma rasteira na segunda exigência, a da experiência pessoal. Socorre-se para isso de conceitos que serviram em outras situações mas que, no caso deles, não passa de malandragem. O Urinol virado por Duchanp foi uma consequência da sua busca pessoal, num contexto particular e específico. Mas defender que o urinol possa ser manipulado indefinidamente é encenar a nossa própria decadência. Por isso que eu digo que os conceitualistas são filhos espúrios de Duchamp.

Você não está, com essa tese, restringindo a manifestação artística à pintura e à escultura? Que diferença tem essa sua crítica da que sofreram os impressionistas no final do século XIX?
A Arte é da natureza dos homens. Ela não é espontânea na natureza. É produto da interferência do homem, que não pode ser supérflua ou presunçosa. Victor Hugo dizia que a obra de arte é uma variedade do milagre. Para Malraux os artistas não são copistas de Deus, mas seus rivais. A arte contemporânea quer socializar o direito de produzir arte, antes restrito aos artistas. O que produz é facilmente copiável, diferentemente de um retrado de Rembrandt ou de uma mesa com maçãs de Cezanne. Para mim comparar a minha crítica com as que sofreram o impressionismo e o modernismo é uma inocência. Uma vez eu ‘incorporei” minha bota de couro a uma instalação no Whitney do Soho em Nova York. Só fui buscá-la no dia seguinte. E ela estava lá, no mesmo lugar em que a deixei. Ninguém se deu conta de que, por 24 horas, eu havia me tornado co-autor da instalação. Isso seria impossível com uma tela de Bacon ou de Lucien Freud. A crítica foi, durante muitas vezes na História, preconceituosa e totalitarista. Mas questionar meu direito de criticar agora é também uma forma de totalitarismo. Para mim há mais humanidade em uma simples aquarela de Egon Shiele do que em toda a Bienal de São Paulo reunida. A arte precisa do espanto, mas só os pobres de espírito se espantam com o ordinário.

2 comments:

Ingrid said...

Ótima entrevista.

Gosto especialmente da frase de Nietzsche que diz:

"Temos a arte para que a verdade não nos destrua."

Há aí um mundo...

jotacê said...

Luciano, o Moacir dos Anjos respondeu, de maneira bastante vigorosa:

http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/001538.html