Sunday, November 25, 2007

Verdades e mentiras sobre a Lei Seca


Partidários da liberação do uso das drogas como solução para o narcotráfico - e para a violência que ele tem gerado no Rio de Janeiro em escala industrial - têm comparado a repressão às drogas com a Lei Seca, decretada em 1919 nos Estados Unidos. O argumento é que a proibição gera o comércio clandestino e o crime, tanto que a revogação da Lei Seca por Roosevelt, em 1933, provocou a diminuição da criminalidade nos Estados Unidos. Será?

(Parêntesis. Engraçado como as coisas se associam: em 1919 o Presidente dos Estados Unidos era Woodrow Wilson, de quem falei alguns posts abaixo; com a Lei Seca, os republicanos queriam desmoralizar Wilson, democrata em luta aberta contra os cartéis e monopólios, conhecido por sua devoção religiosa protestante. Wilson vetou a lei, mas, depois de uma cruzada da imprensa, seu veto foi derrubado no Congresso.)

Apesar de ter vigorado durante 14 anos, a Lei Seca foi um um desastre. Na fabricação clandestina, sem fiscalização, a qualidade da bebida caiu. Milhares morreram pela ingestão de uísque de má qualidade. E a ilegalidade provocou a proliferação de gângsters e o aumento da corrupção policial. O contrabando era altamente lucrativo, e os policiais corruptos, além de proteger os mafiosos, ainda lhes forneciam armas.

Mas a comparação entre a Lei Seca e a repressão às drogas tem procedência? Não. Por quê?

1) São situações completamente diferentes. A Lei Seca tentou proibir algo que era permitido, enquanto liberar as drogas seria permitir o que era proibido.

2) A criminalidade nos Estados Unidos na década de 30 não diminuiu por causa do fim da Lei Seca, mas por causa do New Deal, a política econômica de Roosevelt que gerou aumento de emprego e renda e melhores serviços sociais. E, após a prisão de Al Capone, em 1932, o crime se organizou, e a violência resultante das brigas de quadrilhas diminuiu.

3) Por piores que sejam os efeitos do álcool, não dá para jogar todas as drogas, lícitas e ilícitas, na mesma vala comum. Existe uma razão para que bebidas alcoólicas sejam permitidas, e drogas como a cocaína, a heroína e o ecstasy não: a dependência. Existem dependentes do álcool, é claro, mas a imensa maioria das pessoas bebe socialmente, e pode muito bem viver sem a bebida. Com as drogas citadas, isso não acontece. Todo mundo que conhece um drogado - e todo mundo conhece - sabe disso.

Qualquer pessoa que tenha olhos para enxergar concorda que o viciado transforma a própria vida num inferno. O indivíduo tem o direito de escolher esse caminho? Não é uma questão de liberdade individual? Em termos. Quem se destrói através das drogas, ou faz do seu consumo o eixo de sua vida, não faz mal apenas a si mesmo - a não ser que não tenha filhos, mulher, pais, irmãos e amigos, isto é, se não fizer parte da sociedade. Mas, se isso fosse possível, as leis não seriam necessárias.

Muita gente identifica a droga com uma atitude contracultural, mas a verdade é que o tráfico sempre foi um negócio altamente capitalista, organizado como uma empresa e estimulado pelo lucro. Mas, como a sua mercadoria se confunde com a autodestruição dos consumidores, seu crescimento é diretamente proporcional à decomposição do tecido social. As camadas mais prejudicadas, como sempre, são as mais baixas e sem perspectiva. Mas gente de todas as classes tem o seu quinhão de sofrimento: o pesadelo de ver um filho virar dependente químico ou traficante é cada vez mais comum nos andares de cima da sociedade.

Na base do fenômeno do narcotráfico estão a explosão do consumo e a popularização da droga, em suma, está a escolha individual de consumir. Mas é mais fácil e conveniente esconder esta responsabilidade atrás de comparações com contextos completamente diferentes, como a América dos anos 20, ou negá-la em função da suposta necessidade imemorial do homem de se drogar.

9 comments:

pigmaliao70 said...

Oi Luciano,
Sua argumentação não tem base histórica, a cocaina e outras drogas hoje em dia proibidas no mundo inteiro (classificadas como tóxico), nem sempre foi assim. Em outras épocas eram apenas entorpecentes, utilizados abertamente até por Freud, que era fascinado por seus efeitos e escreveu um livro sobre suas experiências.
O que aconteceu de fato é que a cocaína se popularizou e as classes mais altas ficaram com medo dos efeitos desse entorpecente na cabeça dos de classe baixa, daí a sua proibição.
Quanto a questão de dizer que a diminuicão da criminalidade nos EUA dos anos 30 se deve não ao fim da lei seca, mas ao New Deal, essa me parece apenas uma interpretação conveniênte a sua argumentação, pois é incontestável que houve um aumento enorme da criminalidade a partir da lei seca. Quando foi inventado o próprio gangster americano.
Abs.
Marcus Wagner

Orlando Tambosi said...

Luciano Trigo,

bem-vindo à blogosfera, tão carente de inteligência. E, já que você é editor do livro "A volta do idiota", aproveito para dizer que está demorando a chegar nas livrarias. Procurei aqui em Floripa, e nada! Aliás, já botei anúncio via Cultura no meu blog.

Abraço

Blogildo said...

É um argumento rasteiro ver gente comparar as bebidas alcoólicas com drogas ilegais. É nivelar o debate por baixo.

Fernanda said...

Não acho uma comparaçnao tão rasteira assim. Eu, pessoalmente, conheço muitas pessoas que fumam "socialmente" (como os que bebem socialmente) e outros (poucos) que fumam sempre (como outros que bebem sempre). Os efeitos da maconha sempre me parecem mais leves e menos desagradáveis do que os do álcool nessas pessoas. Seus sentidos ficam menos afetados, sua capacidade de dirigir, também. Mas isso se aplica apenas à maconha, concordo que com outras drogas mais fortes, a história parece ser diferente...
Fernanda

Renato C. Drumond said...

Caro Luciano Trigo,

estou escrevendo apenas para avisar que eu respondi a este artigo seu no meu blog. Esteja livre para comentar por lá ou mesmo por aqui.

abraços

Jorge Cordeiro said...

Vc está bem equivocado, Luciano. Cocaína, ópio e maconha não eram proibidas desde sempre, muito pelo contrário.

E quer dizer que um alcolatra pode de repente viver sem bebida? É mesmo? Tem certeza?

Para seu conhecimento: as drogas que mais criam dependencia sao hoje legais: nicotina, alcool, barbituricos, calmantes, solventes.

Cheguei ao seu post ao procurar foto do Al Capone, que se criou graças à Lei Seca. Acabei de escrever um texto sobre uma pesquisa recente feita nos EUA que mostra que 99% dos americanos NÃO consumiriam drogas como heroina e cocaina caso elas fossem legais. Essa ideia da explosao de consumo é um fantasma, e nada mais...

http://escriba.org/novo/?p=1338

Valentina Corrêa Trigo said...

Uma coisa estou aprendendo com este blog: em temas polêmicos, não importa o que você escreva, as pessoas lêem o que querem.

Sobre essa pesquisa, outra coisa curiosa: quando uma pesquisa serve aos nossos interesses, ela vale; quando não serve, não vale.

E quer dizer que o álcool causa mais dependência que a heroína? Em que mundo você vive?

Cláudiob said...

Acho que devemos levar em conta que as doutrinas jurídicas precisam e voluir na mesma proporção das mudanças de costume e de valores que uma sociedade assume.Hoje o ploblema das drogas já é uma questão não é só policial, mas de saúde pública .E em meio à guerra entre uma polícia despreparada e um esquema criminoso que se organiza mais a cada dia, está o cidadão de bem, que a cada dia tem sua liberdade de ir e vir mais tolida.

Cláudiob said...

Acho que devemos levar em conta que as doutrinas jurídicas precisam e voluir na mesma proporção das mudanças de costume e de valores que uma sociedade assume.Hoje o ploblema das drogas já é uma questão não é só policial, mas de saúde pública .E em meio à guerra entre uma polícia despreparada e um esquema criminoso que se organiza mais a cada dia, está o cidadão de bem, que a cada dia tem sua liberdade de ir e vir mais tolida.