Muita gente reclama, e com razão, que faltam no Brasil prêmios literários e outras formas de reconhecimento e incentivo ao escritor. Mas acho que o problema não é tanto a falta de prêmios e bolsas em si, mas a forma como eles são realizados, sobretudo os que envolvem dinheiro público.
Saíram ontem no Diário Oficial da União os resultados dos prêmios literários da Biblioteca Nacional e da bolsa de incentivo à criação literária da Funarte - neste caso, os resultados saíram com uma rapidez impressionante, já que as inscrições terminaram no dia 10 de dezembro...
Pois bem, entre os premiados pela Biblioteca Nacional, com o Prêmio Sergio Buarque de Holanda, categoria Ensaio Social (coitado do Sergio Buarque!) está o livro
José Genoino - escolhas políticas, de Maria Francisca Pinheiro Coelho
Ora, será que não se publicou nenhum ensaio social melhor que este no Brasil em 2007? José Genoíno não era um dos chefes do Mensalão, como foi apontado pelo próprio procurador geral da República? Será que o livro da Maria Francisca toca nesse assunto?
Já entre os contemplados com a bolsa da Funarte, que receberão R$30 mil cada um, está o projeto 68 motivos de 68, de Luiz Arthur Toríbio, que foi assessor de comunicação social do Minc até abril de 2006.
Talvez o projeto do Toribio seja até meritório, não duvido, mas não fica estranho a Funarte, um órgão do próprio Minc, premiá-lo? Ainda mais se pensarmos que o resultado saiu 48 horas após o fim das inscrições? Ora, a inscrição incluía obrigatoriamente trechos do livro em produção. Será que a comissão julgadora teve tempo de avaliar as centenas (talvez milhares) de obras enviadas? Duvido muito.
Resultados desanimadores para quem insiste em se dedicar à literatura. Bater na porta das editoras é cada vez mais inútil; mesmo quando se consegue publicar, as livrarias não expõem; mesmo no caso em que o autor é apadrinhado por alguma estrela e recebe atenção da mídia, vende muito pouco. Aí aparecem os prêmios e bolsas, que poderiam servir de consolo, mas o brilho nos olhos dura pouco: os critérios de seleção são incompreensíveis em alguns casos, ou compreensíveis até demais, em outros.
A lista completa de premiados, incluindo as comissões julgadoras, está no link:
https://www.in.gov.br/imprensa/jsp/jsp/jornaiscompletos/visualizacao/pdf/visualiza_pdf_novo.jsp?jornal=do&secao=1&pagina=36&data=13/12/2007
Olhando bem, devem aparecer outros absurdos.
PS. Complementando: Maria Francisca é co-autora de um livro sobre a Bárbara Freitag (Itinerários de Bárbara Freitag, UnB, 2005), que fez parte da comissão que premiou a Maria Francisca. Ação entre amigas? Êta, Brasil...
PS2. A vencedora da categoria melhor romance de 2007 foi Idalina Azevedo Silva (quem?), pelo livro O tempo físico. Na comissão que a premiou, seu colega do departamento de Letras da UFRJ, Manuel Antônio de Castro, que justificou a escolha pelo "modo de narrar aliciante" e por uma "oralidade muito difícil de realizar". Dizer o quê?
Segue a sinopse fornecida pela editora de O tempo físico, o melhor romance do ano segundo a Biblioteca Nacional:
Em uma degustação rápida de leitura do livro O Tempo Físico da autora Idalina Azevedo da Silva, o leitor se vê envolvido com o curso e o percurso de Maria, sua infância e adolescência, sua fase adulta e, finalmente, a experienciação mais palpável de que é uma peregrina no tempo, pelo advento da morte de muitos daqueles que constituíram seu mundo. Se ficasse aí não haveria muita novidade, pelo contrario, isso se torna o previsível para cada um de nós. Porém, aí não passamos ainda do tempo cronológico. Mas há outros, e estes estão nos interstícios da sua obra, convidando e provocando os leitores mais exigentes, que queiram um alimento mais substancial.
Friday, December 14, 2007
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2 comments:
tsk tsk. o negócio é escrever sobre artes plásticas. ou optar por outra arte qualquer, porque a literatura... é uma amante fogosa, porém ingrata. eu, de minha parte, depois de um ano de batalha no mercado, onde fiz quase tudo, participei de quase tudo a duras penas, contrariando minha tendência natural ao isolamento que, sempre acreditei, fosse inerente à personalidade do escritor, estou desistindo. ou me conformando em oferecer tudo de graça. afinal de contas, todo mundo sabe que ganhar dinheiro é pecado mortal.
Obrigada por nos expôr mais uma realidade triste.
Eu (e com certeza outros leitores) realmente desconhecia tal situação.
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