É inegável que, nos últimos 30 anos, minorias que não tinham voz no sistema da arte conquistaram espaço no mercado e nas instituições, de forma tal que hoje existe lugar para todos no chamado pluralismo pós-moderno. Mais ainda, o sistema parece estimular as manifestações artísticas associadas a identidades minoritárias, sobretudo as de natureza étnica e sexual, o que pode parecer surpreendente.
Mas o resultado disso é uma fragmentação domesticada, na qual é possível enxergar a aplicaão de uma lógica de cotas ao mundo da arte: cada subcultura opera no seu nicho, e todas dão sua pequena contribuição ao funcionamento do sistema como um todo. Este sistema, inteligentíssimo, percebeu que absorver e comercializar esses nichos era muito mais lucrativo que ignorá-los ou reprimi-los. Aboliu-se assim o abismo que separava um "centro" poderoso e as minorias que o contestavam: eles se deram as mãos, com a bênção do mercado.
Assim, por exemplo, hoje são inúmeros os/as artistas de sucesso que não estão interessados em questões formais ou estéticas, mas simplesmente em afirmar sua identidade homossexual. Depois de décadas de exclusão e silêncio, eles agora vão á forra contra o modelo predominantemente masculino e heterossexual do Modernismo.
É claro que isso dá margem a inúmeros mal-entendidos, distorções e imposturas. Um caso revelador é o do grupo Guerrilla Girls, que no final dos anos 80 lançou uma cruzada contra o desequilíbrio entre homens e mulheres na arte. As integrantes eram ativistas feministas de Nova York, mas também apoiavam a causa dos artistas negros, ou melhor, afro-americanos. Aparentemente se pretendia reparar essa injustiça por decreto, garantindo igualdade de acesso e espaço nos museus e galerias a todas as manifestações artísticas de minorias.
Mas qual era a arte das Guerrilla Girls, que, para chamar a atenção, usavam máscaras de gorila? Basicamente, panfletos, como estes dois:
O primeiro protesta contra a predominância de nus femininos sobre os masculinos na História da Arte; o segundo argumenta que o valor pago por um quadro de Jasper Johns daria para comprar obras de 70 mulheres e negros artistas.
São duas bobagens, evidentemente, e é impressionante como propostas assim ganham espaço e reconhecimento no sistema da arte. É evidente que nus femininos foram muto mais representados que nus masculinos, e daí? E é evidente que um quadro de Jasper Johns pode valer cen vezes mais que obras de artistas menores - não por serem negros ou mulheres, mas por serem, justamente, menores. Basta citar o caso de Basquiat (na foto abaixo, com Andy Warhol), artista negro que hoje está entre os mais valorizados do mundo - mais uma vez, não por ser negro, mas por ser um artista maior.
Parece que, no mundo ideal das Guerrilla Girls, um sistema de cotas garantiria às mulheres e aos negros um espaço igual, nos museus e galerias, aos dos homens e brancos, independentemente da qualidade das obras. Só que não é asim que a coisa funciona. Uma coisa é a etnia ou a identidade sexual do/da artista, outra é a sua obra, cuja qualidade não deveria ter qualquer relação com a cor da pele ou opção sexual. A ser correta a tese de que Leonardo da Vinci era gay, ele não era um gênio por ser gay, nem apesar de ser gay: era um gênio e era gay. O mesmo se aplica a Robert Rauschenberg e Andy Warhol, que eram gays e, a seu modo, gênios. Dá até para especular sobre a existência de uma sensibiidade homossexual específica, mas de forma alguma ela será um determinante necessário da qualidade de uma obra de arte. Fosse assim, todos os gays seriam artistas.
Sunday, February 24, 2008
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3 comments:
Parabéns por seus textos. Acompanho-o diariamente. Compartilho suas idéias a respeito do atual mercado da arte, em especial para o que se produz em arte contemporânea. Gostaria que pudesse escrever mais sobre a pintura por meios tradicionais, como óleo, acrílica, aquarela e como se situam esses modelos de pintura dentro da arte contemporânea.
-TC-
O sistema da casa da xiclet é o mais democrático e espantosamente traz sempre coisas de muita qualidade.
Wharol era gay, mas tinha a saúde muito debilitada demais para poder tranzar, e muito menos tempo disponível - tinha de fabricar dinheiro e fazer charme - foi um gênio
ser gay nada tem a ver com ser ou não artista
que besteira!
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