Friday, March 07, 2008

Rivera, Trotsky, Breton

A arte contemporânea sofre de uma desambição crônica. Seu status na sociedade é mais ou menos equivalente ao da moda ou ao do show business: virou um grande negócio, envolvendo valores estratosféricos, mas com pouco ou nenhum impacto sobre a vida das pessoas.

Nem sempre foi assim, é claro. Houve um tempo em que o artista acreditava ter um papel relevante na sociedade - e a sociedade acreditava nele. Por exemplo, em 1938, às vésperas da Segunda Guerra, Leon Trotski, o escritor surrealista André Breton e o muralista Diego Rivera se reuniram na Cidade do México para debater o papel da arte num mundo conturbado. Desse encontro resultaram a criação da Fiari - Federação Internacional da Arte Revolucionária e Independente – e um manifesto, “Por uma arte revolucionária independente”, que hoje é letra morta. Trotsky, aliás, aparece em dois murais pintados por Rivera.

E, contudo, trata-se de um manifesto extremamente atual no diagnóstico - ainda que ingênuo no prognóstico socialista. O que diziam Trostsky, Breton e Rivera? Que a arte se tornou uma mercadoria cara nas mãos da burguesia. Que o sistema capitalista cria mecanismos para controlar a produção artística. Que a arte se tornou umafonte de lucro estratégica, porque fora do trabalho produtivo. Que as manifestações independentes eram cooptadas ou esmagadas, por meio da dependência material que o sistema impõe ao artista. Que a arte, em suma, deixou de ser artística para se tornar valor de mercado.

Enquanto isso, na União Soviética, o cenário também era desanimador: o realismo socialista fazia da arte uma ferramenta nas mãos dos burocratas que dirigiam o partido comunista e a nação.

Por isso mesmo, o manifesto prega uma arte independente tanto do mercado quanto da ideologia autoritária, já que o capitalismo e o stalinismo seriam duas faces da mesma moeda - vale lembrar que Trotsky tinha sido expulso da União Soviética, e seria assassinado a golpes de machado dois anos depois, a mando de Stalin. Ao artista restavam dois caminhos: vender-se à burguesia, produzindo arte para ser consumida e descartada, ou lutar contra o sistema mantendo sua independência de criação. A verdadeira arte, afirma o manifesto, é impossível não ser revolucionária, isto é, todo artista autêntico aspira a uma reconstrução completa e radical da sociedade em que vive. A arte jamais deve ser reduzida a serviçal do capital.

Será que isso faz algum sentido para os artistas de hoje?

3 comments:

M. Costa said...

Ano passado, vi uma peça com leitura dramática de um texto de Brecht. Em seguida, teve uma discussão super bacana com a platéia, onde tinham alguns alunos do Ensino Médio de uma escola pública. Uma ação como poucas, mas uma arte bem tocante. Foi super legal.

Por outro lado, a arte pela superficialidade parece uma arte que grita o grito da sociedade de hoje, sabe? Um banho de superfície que mascara a profundidade e a reflexão pra que ninguém precise pensar; ou mesmo sentir.

Muito interessantes os seus textos, Luciano!

Abraço.

Unknown said...

faz sentido - completamente

Unknown said...

"Será que isso faz algum sentido para os artistas de hoje?" Se ela não sentido para os artistas, ela faz sentido para o que está aí - o deserto das utopias, esse niilismo repugnante que asfixia o nosso mundo.
Acho que essas aspirações - de Trotsky & cia. - devam ser revisitadas.