Saturday, March 15, 2008

O impasse europeu


Mudando de assunto, saiu hoje no Idéias, do JORNAL DO BRASIL, uma bela entrevista com o historiador Walter Laqueur, sobre o livro OS ÚLTIMOS DIAS DA EUROPA. É uma leitura fundamental, que ajuda a entender o que está por trás da questão dos imigrantes. Deveria estar em todas as livrarias. Segue a entrevista:
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ENTREVISTA/ Walter Laqueur
O fim anunciado do Velho Mundo
Historiador lança polêmica sobre a falência da política de integração na União Européia

Henning Höhne/CIENTISTA POLÍTICO

O historiador alemão Walter Laqueur causou polêmica na Europa ao lançar Os últimos dias da Europa: epitáfio para um velho continente, que chega ao Brasil pela Odisséia. Acusado de cético, pessimista e até reacionário, mas também aclamado como corajoso, o historiador defende a tese de que a Europa, tal como a conhecemos, acabou. O romantismo, a cultura, a sagacidade das estratégias políticas e econômicas, a terra das conquistas, do charme, da erudição... c'est fini. O que sobra para o século 21 é um continente reduzido, acuada por imigrantes, desemprego e instabilidade econômica, que se escora em uma nuvem de glamour que só engana aos turistas. Para quem duvida, ele convida a um passeio por Neukölln ou La Corneuve, periferias de Berlim e Paris ­ "apenas uma amostra do que vem por aí".

Um dos primeiros argumentos para sustentar a tese sobre o fim da Europa é a ensidade populacional. O senhor diz que os países pouco populosos são mais flexíveis, mais fáceis de administrar. Por outro lado, no entanto, o senhor reclama da baixa taxa de crescimento demográfico da Europa. Qual é o problema, afinal? ­ WALTER LAQUEUR: Eu não reclamo do declínio populacional da Europa. O fato de um país ser pequeno, reduzido, traz vantagens em diversos aspectos. Mas não politicamente, se você quiser jogar as regras do mercado mundial. Não sei o que significará uma população imensa em 2100 ­ tudo o que eu sei é que hoje, e em um futuro próximo, isso será precondição para influência e poder. Se um país ou um continente não tem tais ambições, não há com o que se preocupar.

Em outro argumento, o senhor fala sobre o aumento dos índices de violência. E relaciona os índices aos jovens e, sobretudo, aos muçulmanos. No Brasil, jovens cometem crimes também. E não são muçulmanos. Qual a relação entre violência-islamismo-juventude?
LAQUEUR: ­Os crimes, especialmente os violentos, são sempre cometidos por gangues de jovens. Isso não é surpresa. Mas é interessante que a porcentagem de jovens de origem estrangeira nas prisões na França, Inglaterra e Alemanha, por exemplo, seja muito maior do que a parte da população em geral predominantemente muçulmanos. Existem muitos imigrantes indianos na Inglaterra, mas muito poucos na prisão. Muitos imigrantes poloneses na Europa Ocidental, mas dificilmente algum criminoso. Gangues de rua não controlam um país, mas eles podem controlar partes da cidade e Províncias. E uma vez que isso fuja do controle do Estado, provoca problemas políticos graves. A elite ainda detém o poder, mas quase sempre abdica ou fica dividida, e perde a auto-confiança.

Segundo o autor, a União Européia ainda não tem capacidade para uma integração adequada diante do volume de estrangeiros: 'O debate deve se dar em torno dos valores da Europa que podem ainda ser salvos, não
da Europa como a superpotência moral do século 21. Acabou a era das ilusões'


Enquanto os Estados Unios ainda não encaram o problema decorrente das mudanças climáticas, os Estados europeus desenvolveram tecnologia própria, limpa, e revendem para todo o mundo. Este é um exemplo. O senhor realmente acredita que a Europa tenha uma má performance econômica?
LAQUEUR:­ Eu concordo, os EUA ainda fazem muito pouco pelo meio ambiente. Mas as perspectivas econômicas não são boas. Eu não digo que haverá um colapso ou coisa semelhante. Mas os líderes europeus estavam muito mais otimistas há três ou cinco anos. Os Estados Unidos estão diante de uma crise. E a previsão dos especialistas para a Europa em 2008/2009 não são melhores ­ são piores. Se houver uma depressão nos EUA, a Europa vai sofrer mais do que os americanos. As tendências observadas neste estudo ­ o problema da demografia, o adiamento do movimento em direção à unidade européia e a crise do Welfare State ­ surgiram bem antes da virada do século. O debate deve se dar em torno dos valores da Europa que podem ainda ser salvos, não da Europa como um exemplo esplendoroso para a humanidade, a superpotência moral do século 21. Acabou a era das ilusões.

O que já deu certo na União Européia? O que o senhor reconhece como melhoria?
LAQUEUR:­ Não vi progresso na Europa no campo de defesa internacional nos últimos 30 anos. O que funcionou na Europa ­ acima de tudo, a economia ­ e, claro, a preservação da paz interna. Mas isso teria acontecido de qualquer forma.

Clinton, Obama ou McCain. Nas eleições americanas, quem seria a melhor escolha para o futuro da Europa?
LAQUEUR:­ Sob um ponto de vista europeu, Obama será ruim, porque ele parece ser economicamente protecionista. Mas não acredito que o resultado das eleições americanas seja tão definitivo para a Europa, para o impacto político-moral da Europa. Hoje haveria uma leve influência em alguns países do Leste Europeu, mas sem o mais leve impacto na Rússia. Tudo o que estou dizendo é que a influência geral da Europa na política mundial diminuiu e vai diminuir cada vez mais.

O seu pessimismo não é um desespero político? ­
LAQUEUR: Não sou um pessimista. Sim- plesmente tento dispersar certas ilusões. Comento o mundo dos negócios há anos e, em geral, estive mais certo do que errado. Talvez eu esteja errado dessa vez, mas eu vejo muito pouca esperança. Meu sentimento é mais de arrependimento do que de desespero ­ a Europa podia ter ido melhor. Existe o risco, depois de se haver negligenciado as ameaças à Europa por tanto tempo, de se erguer as mãos em desespero e aceitar com resignação o papel futuro de um museu de história da civilização para uma platéia inexistente. Mas tenho filhos, netos e bisnetos na Europa, e se minhas previsões estiverem erradas devo sofrer agradecido o estrago com a minha reputação.

Perfil/ Walter Laqueur
Nascido na Alemanha, o historiador Walter Zeev Laqueur tem 86 anos. Judeu, foi vítima do Holocausto com sua família e fugiu para os Estados Unidos, onde se naturalizou. Professor da Geogetown University, é autor da Enciclopédia do Holocausto .


Os últimos dias da Europa, de Walter Laqueur. Tradução de André Pereira da Costa. Odisséia Editorial. 200 páginas, R$ 34,90

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