Sunday, April 20, 2008

O aborto como arte

A artista americana Aliza Shvarts, mestranda em Yale, anunciou para este dia 22 a abertura de uma exposição com a documentação de um processo de nove meses: nesse período, ela realizou várias inseminações artificiais em si mesma, entre o nono e o décimo-quinto dia do ciclo menstrual, com esperma de doadores anônimos testados contra doenças sexualmente transmissíveis, para em seguida interromper as gestações provocadas, usando medicamentos abortivos. A exposição incluirá vídeos dos abortos forçados e amostras de sangue da artista. O objetivo, segundo Aliza, é estimular o debate sobre a relação entre a arte e o corpo humano. Faz parte da obra um cubo pendurado do teto, com monitores que exibem desenhos feitos com sangue dos seus abortos.

Segue o artigo, publicado no jornal Yale Daily News, em que a artista apresenta seu projeto:

For the past year, I performed repeated self-induced miscarriages. I created a group of fabricators from volunteers who submitted to periodic STD screenings and agreed to their complete and permanent anonymity. From the 9th to the 15th day of my menstrual cycle, the fabricators would provide me with sperm samples, which I used to privately self-inseminate. Using a needleless syringe, I would inject the sperm near my cervix within 30 minutes of its collection, so as to insure the possibility of fertilization. On the 28th day of my cycle, I would ingest an abortifacient, after which I would experience cramps and heavy bleeding.

To protect myself and others, only I know the number of fabricators who participated, the frequency and accuracy with which I inseminated and the specific abortifacient I used. Because of these measures of privacy, the piece exists only in its telling. This telling can take textual, visual, spatial, temporal and performative forms — copies of copies of which there is no original.

This piece — in its textual and sculptural forms — is meant to call into question the relationship between form and function as they converge on the body. The artwork exists as the verbal narrative you see above, as an installation that will take place in Green Hall, as a time-based performance, as a independent concept, as a myth and as a public discourse.

It creates an ambiguity that isolates the locus of ontology to an act of readership. An intentional ambiguity pervades both the act and the objects I produced in relation to it. The performance exists only as I chose to represent it. For me, the most poignant aspect of this representation — the part most meaningful in terms of its political agenda (and, incidentally, the aspect that has not been discussed thus far) — is the impossibility of accurately identifying the resulting blood. Because the miscarriages coincide with the expected date of menstruation (the 28th day of my cycle), it remains ambiguous whether the there was ever a fertilized ovum or not. The reality of the pregnancy, both for myself and for the audience, is a matter of reading.

This ambivalence makes obvious how the act of identification or naming — the act of ascribing a word to something physical — is at its heart an ideological act, an act that literally has the power to construct bodies. In a sense, the act of conception occurs when the viewer assigns the term “miscarriage” or “period” to that blood.

In some sense, neither term is exactly accurate or inaccurate; the ambiguity is not merely a matter of context, but is embodied in the physicality of the object. This central ambiguity defies a clear definition of the act. The reality of miscarriage is very much a linguistic and political reality, an act of reading constructed by an act of naming — an authorial act.

It is the intention of this piece to destabilize the locus of that authorial act, and in doing so, reclaim it from the heteronormative structures that seek to naturalize it.

As an intervention into our normative understanding of “the real” and its accompanying politics of convention, this performance piece has numerous conceptual goals. The first is to assert that often, normative understandings of biological function are a mythology imposed on form. It is this mythology that creates the sexist, racist, ableist, nationalist and homophobic perspective, distinguishing what body parts are “meant” to do from their physical capability. The myth that a certain set of functions are “natural” (while all the other potential functions are “unnatural”) undermines that sense of capability, confining lifestyle choices to the bounds of normatively defined narratives.

Just as it is a myth that women are “meant” to be feminine and men masculine, that penises and vaginas are “meant” for penetrative heterosexual sex (or that mouths, anuses, breasts, feet or leather, silicone, vinyl, rubber, or metal implements are not “meant” for sex at all), it is a myth that ovaries and a uterus are “meant” to birth a child.

When considering my own bodily form, I recognize its potential as extending beyond its ability to participate in a normative function. While my organs are capable of engaging with the narrative of reproduction — the time-based linkage of discrete events from conception to birth — the realm of capability extends beyond the bounds of that specific narrative chain. These organs can do other things, can have other purposes, and it is the prerogative of every individual to acknowledge and explore this wide realm of capability.

4 comments:

Daniel said...

Se eu entendi bem o artigo exposto, o objetivo artistico se insere em um contexto mas amplo que entre a arte e o corpo.

A questao da artista seria antes um questionamento semiologico cultural, no caso, como ela mesmo diz, ela busca questionar a atribuicao de funcoes aos orgaos humanos, que nesse caso, como ela explicou de uma forma bem foucaultiana e derridariana, uma critica do significado dos orgaos e, de forma mais geral, do corpo humano.

Nao entrando em uma discussao etica acerca do metodo utilizado por ela para expor uma determinada ideia (pois isso me lembra em muito a "instalacao" do cachorro doente, faminto e que, por fim, morre), a ideia dela é bem interessante, ainda que ja bem explorada de varias outras formas, e passivel de ser criticada nao somente a partir de um ponto de vista artistico, mas principalmente filosofico, visto a arte dela ter conscientimente um significado critico. Nesse sentido, podemos nos indagar acerca dos significados sociais dados em um determinado contexto, e se estes significados sao arbitrarios ou se sao, pelo menos, justificados. Isso é realmente interessante.

No entanto, tem um outro aspecto desta obra a faz se tornar algo fugaz.

Eu acredito que esse seja o tipo de arte que tera muito mais repercussao pela FORMA que foi feita que por seu CONTEUDO. Alguem realmente iria reparar no significado da obra se ela nao tivesse sido exposta de uma forma que ela considerasse que iria chocar o publico?

Fora tambem que ela, ao fazer da forma que fez, possivelmente levara as pessoas considerarem mais acerca dos limites da arte ou sobre o aborto que acerca do significado social atribuido ao corpo. Assim, podemos nos perguntas: a arte dela realmente atinge o que queria atingir?

No fim, eu acredito que seja mais a chamada "shock art", aquela arte cuja busca é chocar os telespectadores, e nao demonstrar algo. O chocar se torna um fim em si mesmo.

A busca por atencao tem se tornado tao forte que muitos artistas pensam nao em realizar arte, mas sim em chocar as pessoas, pois desta forma ele terao atencao em cima de si.

João Vergílio said...

Um dia alguém ainda vai escrever um livro sobre a influência da filosofice de boteco na produção de bobagens como essa.
O título insinua a inversão "A Arte como Aborto". E insinua bem. Apesar de grosseira, a inversão estaria perfeitamente justificada.

Noga Sklar said...

só vomitando.

Unknown said...

1. Os Artistas da Fome? Fome de quê? De público?

Achei os dois trabalhos realmnte incomodos *o do cara q abandona um cão a fome numa galeria e a "obra" da mulher do "aborto-art". Bom, em vez d me limitar à superficie da minha reação comecei a analizar minha repulsa... vi q era a mesma q tive (tenho) diante do corpo caindo do predio no 11 de setembro. a mesma de ver os cadáveres esquálidos do holocausto. a mesma ao saber do menino arrastado pelo carro por aqueles assaltantes na Tijuca. Um assombro. Impotência. Medo. E, claro, ira contra os autores.

Curioso q dia desses eu tava relendo o Artista da Fome do Kafka na otima versao em quadrinhos do Kupper (Conrad Editora). Vale a pena resumir a história... Nesse conto, um homem (o Artista) mingua em greve de fome diante de uma platéia que só faz ficar mais sedenta por aquele espetáculo deprimente. Sempre nos estertores da morte o Artista é "salvo" por seus empresários (pessoas que começam a faturar montando um verdadeiro negócio com a exposição do artista grevista.) Estes o alimentam a força para que sobreviva e assim fazer com que o espetáculo nunca pare. Nem o público nem seus empresários sabem mas o Artista tem um objetivo com sua greve. Um alerta. Cansado e frustrado o artista da fome abandona aquele lugar onde vê que não está sendo compreendido e passa a usar seu... talento num circo decadente. Em pouco tempo vira atração principal mas logo é esquecido ante outras novidades do circo. Abandonado em sua cela, o artista agoniza de fome até morrer. Só com os odores de sua putrefação sua existência volta a ser lembrada. O dono do circo enfurecido com a morte e sujeira do empregado manda que separem seus menbros e o sirvam para a pantera numa cela ao lado. Uma plateia anuncia se formar em torno da cela da pantera para ver o artista da fome virar banquete. No entanto a fera urra e a platéia, assustada se dispersa. Fim da história.

Não é preciso pensar muito para ver que tudo isso se encontra.


2. Arte = Vida X Arte vs. Vida. Vanguarda?

Um dia os artistas disseram q a vida é o caminho da arte (primeiro foi Courbet que pintava cenas do cotidiano depois os dadaistas e situacionistas e daí vai).

Não sei exatamente o q se passa na mente desses artistas q matam como Arte mas com certeza dadaísta não são...

Acredito q o que se quer, neste dois casos, é matar a Arte mesmo, mas dentro do espetáculo (Debordiano) e dando uma teatralidade banal pra essa morte... Afirmar a vitória do Espetáculo na arte contemporânea... ou afirmar a banalidade do Outro nesses tempos de reality shows, ou melhor, a vitória do Espetáculo sobre a Vida.
Talvez se queira mostrar morte ao vivo nesses tempos de genocídio via tv, via internet...

Nao tenho ciencia d alguém q tenha matado como arte. De fato essa nao eh uma fronteira que tenha despertado interesse ou tlvz tais idéias tenham colidido com um espírito de época - mais humano e mais empático, onde matar o outro ainda causava essa repulsa profunda (anímica) - algo fora de condição. A sensaçao q descrevi lá em cima ainda impedia q o matar acontecesse dentro do universo da arte, ou ainda, dentro do Mercado da Arte. Os artistas mataram um cão e um bebê. Não se trata de uma brincadeira Duchampiana. Com certeza, uma carona... já que os dois artistas trabalharam com apropriação - no caso, seus ready mades foram duas vidas inocentes. Não foi uma morte farsante, nem simbólica e nem acidental, foi premeditada, arquitetada e com uma finalidade específica. Aquilo que chamava-se crime ("chamava-se" pq afinal de contas estamos em tempos de mortes arquitetadas por grnades corporações e nem por isso estas são punidas por seus crimes).

3. Arte vs. Vida ou Arte = Mercado

A arte está morta qundo ela mata? A Arte se mata qndo mata.
E a arte matando a arte é o mercado. A arte matando o espírito é sistema.

Não aplaudo, nem apologizo essas "obras" mas suspeito e temo que talvez não pare. Porque se a Arte é uma expressão do "Espírito dos Tempos" e os caminhos da arte, se acompanharmos bem, sempre foram a externalização da sensação de uma época... Talvez surjam novos assassinos mascarados de vanguarda.

Repudiei totalmente estes dois trabalhos. O artista não deveria seguir o caminho fácil do espetáculo, do mercado e do seu instrumento mais lucrativo: o sensacionalismo (ou seja, alguém usar o sofrimento do outro para se benefíciar). Isso é sujo. É covarde. E aí isso não é Arte... Eis onde está o fosso de mediocridade desses trabalhos. A banalidade da vida gerada pela máquina do mercado deve ser combatida e não afirmada. E a coragem nunca estará em matar a vida (nem mesmo a do próprio artista). A coragem está em enfrentar a máquina e revelar seus podres e não apodrecer junto com ela.

Que desta pista se enxerguem os outros caminhos.
Que a vida seja mais vida e menos banal, virtual... calculista.
Assim como a arte.