"A arte contemporânea é exatamente o que a vida é hoje em dia, assolada por perguntas como 'Fará sucesso?', 'Custará caro?', 'Aparecerá na televisão?'"
(Matthew Collings, crítico inglês)A arte contemporânea cultiva uma imagem pluralista e eclética, mas por mais diversificada que se apresente, a sua produção tem uma essência comum, que se manifesta de diversas maneiras:
1) no discurso do "povo da arte", que a tudo abriga: as falas dos curadores, críticos e professores que participam de debates, mesas-redondas, seminários etc, sempre vagas e pouco conclusivas, têm a função de, justamente, dar chancela teórica às manifestações artísticas mais disparatadas, inconsistentes ou triviais: a própria inconsistência, aliás, é interpretada como sinal de estéticas da fragmentação ou da precariedade, ou coisa parecida. Quando se espreme esse discurso, não sobra quase nada relevante ou original; sua importância é ritual e simbólica, ao reforçar posições e relações de poder.
2) na institucionalização generalizada: o artista contemporâneo se julga muito contestador e radical, mas não tem o menor pudor em viajar à Europa à custa do Governo, por exemplo, como um artista oficial.
3) na aversão ao novo: com raras exceções, as manifestações artísticas contemporâneas são recombinações pós-modernas de linguagens e questões exauridas há mais ou menos 30 anos. Quem compara de boa fé um livro dos anos 60 ou 70 sobre a produção da época - por exemplo,
Total Art, de Adrian Henri, ou
Art without Boundaries, de Gerald Wood, - com livros sobre a produção dos anos 80 para cá - por exemplo,
Modern Contemporary, de Kirk Varnedoe - tem dificuldade em apontar as diferenças entre as propostas artísticas (salvo quando há o recurso a novas tecnologias que não estavam à disposição 30 anos atrás, mas aplicadas a propostas igualmente velhas). Mas grave ainda: a produção dos anos 80 e 90 parece mais datada e esquecida (e politicamente correta) que a dos anos 60 e 70.
E não é difícil entender por quê. Os gestos e movimentos daquelas décadas, que corresponderam às últimas vanguardas modernas, eram efetivamente novos, inaugurais, experimentais: expandiam o campo artístico, estabeleciam novos diálogos com o mundo, com o indivíduo, com a política etc. O que aconteceu desde então foi a diluição
ad infinitum dessas propostas, domesticadas pelo mercado e pelas instituições, como já expus à exaustão. Dominada pos falsos moedeiros, a arte perdeu a ambição, contentando-se em ser reduzida a uma esfera da cultura semelhante à da moda ou a do
show business: pode movimentar grandes fortunas, mas é em geral vazia, mistificadora e autocomplacente.
Em outras palavras, essas manifestações constituem hoje o
status quo da arte, da mesma forma que a produção acad~emica representava o status quo antes do Impressionismo. Aceitar isso deve ser doloroso para muita gente, mas as instalações, video-artes,
performances e, de uma forma geral, os múltiplos desdobramentos da arte conceitual, que continuam sendo vendidos como grandes novidades, representam hoje uma arte conservadora, velha, que ignora a passagem do tempo e se submete docilmente às determinações do mercado e dos mandarins do sistema da arte que, aboletados em posições estratégicas, decidem caprichosamente, ou por critérios tortos, quem pode e quem não pode participar da panela.
Chego assim ao quarto ponto, o mais relevante:
4) a arte contemporânea é unificada, sobretudo, pelo triunfo do conceitualismo, que se manifesta na adoção generalizada e difusa de diversas técnicas e estratégias associadas à arte conceitual histórica. Isso acontece de forma explícita em artistas que usam a linguagem verbal em seus trabalhos (como Jenny Holzer - da ilustração acima, e seus imitadores), ou que brincam de criticar a idéia de originalidade manipulando imagens alheias (aqui a matriz é Sherry Levine), ou que colocam em questão ("colocar em questão" alguma coisa é um excelente pretexto para rigorosamente tudo, na arte; difícil é apresentar respostas convincentes) noções de identidade, gênero, papéis sociais etc.
Assim, por exemplo, o artista inglês Damien Hirst não é exatamente um artista conceitual, segundo crtérios rígidos, mas seguramente ele opera nesse horizonte conceitualista quando afirma, como fez em 2000, respondendo a um crítico que não alcançara a profundidade de sua obra: "Não creio que a mão do artista seja importante, em qualquer nível, porque se está apenas tentando comunicar uma idéia". Ou seja, um horizonte no qual a "idéia" é o fundamental, prevalecendo sobre a execução, a técnica e o artesanato, que podem ser entregues a terceiros - neste aspecto a arte se aproxima da esfera da publicidade, na qual o que conta é a "sacada".
Além disso, vale lembrar que Hirst representa o máximo da integração ao sistema, cada obra sua valendo vários milhões de dólares e sendo exposta nas principais coleções contemporâneas do mundo, enquanto a arte conceitual, enquanto movimento histórico, se opunha radicalmente aos poderes estabelecidos, á mercantilização da arte e até mesmo ao modo como a arte era estudada nas universidades americanas. Ou seja, era um movimento autêntico, que usava entre outros recursos o ceticismo e a ironia. Disso só se preservou hoje a pose de ceticismo e ironia, sem lastro em qualquer contestação real ao poder estabelecido ou ao sistema da arte, como na´frase de Matthew Collings que serve de epígrafe a este texto. Por tudo isso, outro crítico inglês, Paul Wood, está coberto de razão quabndo escreve: "Se o conceitualismo tornou-se de fato o
status quo do inflacionado mundo da arte contemporânea, então é certo concluir que ele tem menos em comum com o espírito da arte conceitual histórica do que com a academia moderna, da qual aqueles artistas haviam tomado distãncia".
Touché.