Friday, June 27, 2008

Sobre arte

. Em artigo publicado no Segundo Caderno de O GLOBO, na quarta-feira, a artista e curadora Ligia Canongia se queixa do fato de artistas contemporâneos brasileiros serem desconhecidos do público. Pelo que entendi, ela atribui o fenômeno à falta de apoio do Governo e de investimentos da iniciativa privada.

Não é bem assim. Recentemente, o Governo federal gastou um milhão de euros para mandar dezenas de galerias comerciais e centenas de artistas à Espanha. E os galeristas sequer divulgaram os negócios que foram fechados! Ou seja, viajaram com dinheiro
público para auferir lucros privados. Apenas uma ilustração de que a falta de transparência é uma caracerística típica do mercado de arte no Brasil.

Além do mais, se as pessoas não conhecem esses artistas, não é por culpa do Governo nem da iniciativa privada, mas porque a arte contemporânea não se comunica mais com o público. Com honrosas exceções, é uma grande bobagem, feita para alimentar um sistema especulativo dominado por panelas que se elogiam mutuamente.

Muito mais grave do que a falta de acesso aos artistas que a articulista citou (alguns dos quais aprecio, como o José Damasceno) é não se encontrar exposta no Rio de Janeiro nenhuma obra, por exemplo, do Iberê Camargo e outros artistas deliberadamente ignorados pela turma que ocupa, simbolicamente, o poder - turma para quem a única arte brasileira que conta é aquela que deriva de Lygia Clark e Helio Oiticica. Iberê é pintor, né? Coisa mais fora de moda. Arte mesmo é amarrar uma tartaruga num aspirador de pó e chamar de instalação.

. Ou então repetir procedimentos que artistas americanos fizeram há 30 anos como se fossem grandes novidades - e chamar de intervenção. É o caso dos cartazes o artista Alexandre Vogler está espalhando pelo Rio de Janeiro - una foto de mãos femininas com unhas vermelhas entrelaçadas sobre a vagina, simulando um anúncio de esmalte, com o slogan “Base para unhas frágeis”.

Leio que moradores estão protestando contra o mau gosto da obra, que pretende denunciar o sexismo da publicidade, a fetichização da mulher etc. Pretende também, como sempre, “provocar uma reflexão”. Soa a uma importação bastante atrasada das questões de gênero que artistas americanos(as) exploraram à exaustão décadas atrás.

. Leio, por fim, que conservadores do Museu do Prado contestam que o famoso quadro O Colosso tenha sido pintado por Goya, por volta de 1810. Durante quase 80 anos, o quadro esteve exposto com destaque no museu e era considerado uma dos tesouros da arte espanhola. O Colosso representa um gigante enfurecido que ameaça uma cidade - referência à guerra da independência de Madri, em 1808, como reação à invasão napoleônica.

Seja ou não de Goya, é um quadro que, 200 anos depois de pintado, conserva sua força e seu poder de comunicação com o público. É uma obra permanente, como toda grande arte costumava ambicionar ser.

Thursday, June 19, 2008

Carla Bruni

Mas quem se deu bem mesmo foi o artista francês Michel Comte. Ele vendeu em abril, num leilão da Christie's, essa fotografia de Carla Bruni, atual primeira-dama da França. A foto (gelatin silver print, 32.5 x 22.5cm) é de 1993 e foi arrematada por 91 mil dólares.

Mais leilão

Continua a temporada de leilões de arte contemporânea da Sotheby's. No próximo dia 1, em Londres, serão leiloadas obras importantes de Andy Warhol, Jean-Michel Baquiat, Lucio Fontana, Yves Klein, Takashi Murakami e do chinês Zhang Xiaogang, entre muitos outros. Mas a expectativa maior é em relação aos dois quadros abaixo, de Francis Bacon, avaliados em mais de 20 milhões de dólares:
Study for Head of George Dyer
Figure Turning
No mesmo leilão, vejam que gracinha, estará a venda essa obra de Jeff Koons, vendida pela mesma Sotheby's em 2000 por 230 mil dólares. Estimativa atual: 750 mil a 1 milhão de libras. Por incrível que pareça, quem arrematou a peça oito anos atrás se deu bem.
Yorkshire Terriers
É difícil acreditar que haja alguém disposto a pagar tanto por uma bobagem dessas, mas o que está em jogo aqui não é mais arte, é especulação e investimento. Em todo caso, essa escalada de preços me faz lembrar aquelas "pirâmides", em que as pessoas ganham dinheiro fácil às custas da credulidade alheia - até o momento em que faltam otários para bancar a brincadeira. Qual é o lastro dos valores estratosféricos que algumas obras sem qualquer valor estético vêm alcançando?

Wednesday, June 18, 2008

Franz Ackermann


Nada se cria, tudo se copia.

David Mamet no mundo do vale-tudo


Assisti ontem à noite à pré-estréia de Cinturão Vermelho, de David Mamet, que traz Rodrigo Santoro e Alice Braga no elenco. Quero dizer logo que considero Mamet um gênio, um dos maiores cineastas vivos, e gostei muito do filme, o melhor que ele dirigiu nos últimos tempos. Além disso, a presença de dois atores brasileiros em papéis importantes é motivo de verdadeiro e justificado orgulho.

Isso posto, passo a compartilhar algumas coisas que passaram pela minha cabeça enquanto via o filme.

. Continuo achando insuperáveis os primeiros trabalhos do diretor - Jogo de Emoções e As Coisas Mudam. Ali ele já estabelece toda uma sintaxe visual e narrativa, o estilo próprio e altamente teatral de direção que repetiria nos filmes seguintes. Ou seja, características como os enquadramentos fechados, a ênfase nos diálogos, as pegadinhas do roteiro, perdem um pouco de impacto, com o tempo. A fronteira entre estilo e fórmula pode ser sutil. Mal comparando, sinto a mesma coisa quando leio os romances de Paul Auster - sempre muito bons, mas com a sensação de déjà vu.


. Mamet é inigualável, porém, na exposição da ambigüidade moral da sociedade americana. A pressão pelo sucesso e a ambição financeira afetam a vida de seus personagens de forma quase patológica, o que é enfatizado pela forma pouco convencional com que o diretor quebra clichês narrativos, sempre contrariando as expectativas da platéia. Só há salvação no indivíduo, parece ser a mensagem de seus filmes, pois a sociedade está incuravelmente doente, ou melhor, ela é fundada em valores doentes.

. Alice Braga se sai melhor que Rodrigo Santoro, a ponto de parecer que o papel dela é bem maior que o dele, maior do que é na verdade. Não que a atuação de Santoro seja ruim, mas ele simplesmente não convence muito: é um ator interpretando corretamente um papel, enquanto Alice entra completamente na sua personagem e parece entender melhor o espírito dos filmes de Mamet, que exige de cada ator uma inteligência sutil e uma tensão contida, por enfatizar as entrelinhas do texto e das situações. Acho mais fácil voltar a ver Alice do que Rodrigo num filme futuro de Mamet - que gosta de trabalhar sempre com os mesmos atores, como se sabe (é interessante acompanhar o envelhecimento deles a cada filme, aliás).

. Por fim, não posso deixar de observar o seguinte: é lamentável que um filme que aborde o universo do jiu-jitsu e do vale-tudo nos Estados Unidos nao cite em um momento sequer o nome Gracie. Conheço bem essa história e posso afirmar que é, no mínimo, uma injustiça - ainda maior pelo fato de o próprio Mamet treinar jiu-jitsu há sete anos.

A seguir, o trailer do filme:

Saturday, June 14, 2008

Boludo


A obra escolhida para ilustrar a capa do próximo leilão de arte contemporânea da Sotheby's é essa aí: uma bola de futebol em bronze, de Jeff Koons. Dãããããã...

Estimativa de valor: 120.000 a 180.000 libras. E nem é uma peça única, ele fez três iguais. Está sobrando dinheiro no mundo.

Por que será que ninguém aponta o dedo para esse tipo de impostura? Acho que começo a entender a psicologia do artista contemporâneo do Terceiro Mundo: ele vê essa bola e pensa "Num sistema em que uma obra assim vale tanto, eu também tenho chance de me dar bem. Então vou elogiar o Jeff Koons e apoiar esse sistema". Está fazendo papel de otário, é claro, ou de inocente útil, culturalmente colonizado. É triste a situação da arte contemporânea.

Arte em leilão

Dois leilões importantes serão realizados este mês em Londres pela Sotheby's - um de arte moderna e outro de arte contemporânea. Uma análise dos lotes (disponível no site da casa de leilões, www.sothebys.com) revela alguns aspecxtos interessantes do mercado.

Claude Monet
La plage à Trouville, 1870

Por exemplo, o quadro acima, de Monet, foi arrematado em outro leilão da Sotheby's há pouco mais de um ano, em novembro de 2006. E já está à venda. É um dos mais caros do leilão: está avaliado entre 7 e 10 milhões de libras, mas pode chegar a muito mais.

Segue uma lista outras obras modernas que serão leiloadas em Londres, no próximo dia 25. Depois vou postar aqui os preços finais de cada obra (que em muitas casos diferem muito das estimativas, como aconteceu recentemente com um quadro da Beatriz Milhazes). Depois farei o mesmo em relação ao leilão de arte contemporânea, que inclui um bocado de baboseiras de Jeff Koons, Damien Hirst etc.


Pablo Picasso, 1881-1973 TÊTE DE FEMME (DORA MAAR)
Óleo: 3,000,000 – 5,000,000


Henri Matisse, 1869-1954 PÊCHES
Óleo: 1,800,000 – 2,500,000 libras


Alberto Giacometti, 1901-1966 TROIS HOMMES QUI MARCHENT I
Bronze: 4,000,000 a 6,000,000 libras


Marc Chagall, 1887-1985 LES CHARPENTIERS
Óleo: 400,000 – 600,000 libras


Egon Schiele, 1890-1918 KAUERNDE MIT BLAUEN STRÜMPFEN
Guache: 1,250,000 – 1,750,000 libras


Edgar Degas, 1834-1917 FEMME À SA TOILETTE
Pastel: 500,000 – 800,000 libras


Edvard Munch, 1863-1944 FROM ÅSGÅRDSTRAND
Óleo: 2,000,000 – 3,000,000 de libras

Thursday, June 12, 2008

Daniel Senise no MAM


Vai que nós levamos as partes que te faltam, 2008
aquarela sobre papel em alumínio
120 x 1200 cm
Coleção do artista
644 pequenas aquarelas pintadas uma a uma compõem este painel, que reproduz o piso do corredor do apartamento do artista. O título do trabalho foi retirado de um trecho do romance Terra sonânbula, do escritor moçambicano Mia Couto.


Daniel Senise continua leal à pintura. A obra acima está exposta no MAM do Rio de Janeiro. Vale a pena ver.Senise é provavelmente o melhor artista de sua geração - a que surgiu nos anos 80, dando um novo vigor às artes plásticas brasileiras. Ele se destacou pela preocupação com a técnica, cada vez mais rara hoje em dia: para ele pintura também é artesanato.

Nos quadros de Senise não há lugar para o acaso: tudo é milimetricamente pensado. A explicitação dos recursos pictóricos é conjugada a um vocabulário visual denso e atemporal. Smpre problematizando a própria natureza da arte, ele é um artista que não envelhece, ao contrário de outros que aparecem na crista de modismos e depois somem sem deixar vestígios.

Depois de tantas sentenças de morte da pintura, Daniel Senise continua sendo um pintor: sua reflexão sobre o mundo passa pela tela, pelo picel, pela tinta. Ao contrário de tantos artistas de instalações, ele nunca se acomoda, nem se repete. Cada quadro seu, mesmo quando sugere uma experimentação gratuita, traz questões relevantes sobre os limites e os rumos da arte. No conjunto, trata-se de uma obra das mais consistentes, porque sincera e sem artifícios.

Vai que nós levamos as partes que te faltam
MAM - Rio de Janeiro
06 junho - 20 julho de 2008

Wednesday, June 04, 2008

Três velhinhos franceses em alta

Três artistas franceses vivos atingiram a marca notável de 1 milhão de euros em leilões realizados este ano. Dois são pintores, e os três têm idade avançada: Louise Bourgeois (quase centenária, com 97 anos!), Pierre Soulages (89 anos)e Georges Mathieu (87 anos). Mas o mercado de arte contemporânea na França atravessa um período de grande instabilidade. As estrelas consagradas continuam se valorizando, mas no conjunto as vendas estão diminuindo. Ninguém sabe ao certo o que vai acontecer, mas a disposição para o risco do investimento em artistas jovens tende a diminuir. É interessante observar, também, que em períodos de incerteza os investidores e colecionadores correm para a pintura. Enquanto isso, no Brasil, o curador da Bienal de Sãu Paulo debocha do "quadro pendurado na parede".

Seguem obras representativas dos três velhinhos:

Louise Bourgeois, The Woven Child, 2002

Pierre Soulages, Peinture, 1958


Tibériade, Georges Mathieu, 1967

Sunday, June 01, 2008

Matisse e Joyce

Reunir dois gênios nem sempre dá certo. Em 1935, a Limited Editions Club publicou uma edição do Ulisses, de James Joyce, com ilustrações encomendadas a Henri Matisse. Dois 1.500 exemplares impressos, todos foram assinados por Matisse, mas apenas 250 também levam a assinatura Joyce. Hoje cada um desses exemplares é uma raridade de colecionador e vale cerca de 35 mil dólares, se estiver bem conservado.


Joyce também deveria ter assinado a tiragem inteira, mas ficou aborrecido quando soube que Matisse fizera as ilustrações com base na Odisséia de Homero, e não na leitura de seu romance. Segundo o relato do editor George Macy, é provável que o artista só tenha lido (na tradução francesa de Stuart Gilbert) o suficiente para perceber o paralelo do livro com o clássico grego. Quando perguntaram a Matiosse por que suas ilustrações tinham tão pouca relação com o romance de Joyce, o artista respondeu com franqueza: "Je ne l'ai pas lu".

Vale lembrar que Ulisses ainda era motivo de escândalo em 1933: até apenas dois anos antes, o romance estava proibido nos Estados Unidos.

Nas ilustrações, a capa e alguns dos 26 desenhos de página inteira que Matisse fez para o livro: